domingo, 29 de janeiro de 2017

Trump: louco, mas rasga dinheiro?

Nicholas Kamm/AFP
US President Donald Trump poses in his office aboard Air Force One at Andrews Air Force Base in Maryland after he returned from Philadelphia on January 26, 2017. Donald Trump made his maiden voyage outside the Washington area as US president Thursday, meeting with lawmakers to map out their 2017 policy strategy and smooth emerging differences between the White House and congressional Republicans.
O presidente dos EUA, Donald Trump, posa para foto no interior do avião Air Force One


Vinícius Torres Freire - Folha de São Paulo


Em uma parte do universo, Donald Trump não parece um envelhecido Damien Thorn. Sim, Damien, o menino do filme "A Profecia", o filho da chacal, o Anticristo.

Teriam apenas nomes com as mesmas iniciais (DT), embora talvez nunca se venha a saber se está gravado o número da besta, 666, debaixo daquele toldo laranja-palha que cobre a cabeça de Trump.

Sem brincadeira, nessa parte central do universo vivem muitos donos do dinheiro grosso americano e não poucos economistas reputados, não importa se de direita. Lá, Trump merece mais do que o benefício da dúvida:

seria capaz de fazer a economia decolar para mais do que um voo de galinha inflacionário.

Não é surpresa que os maiores lobbies das empresas americanas sejam simpáticos a um presidente amigo do dinheiro e que, enfim, mal começou a governar –não se arruma encrenca de graça com o poder político mesmo nos Estados Unidos. Mas convém registrar a alegria das corporações e argumentos de que o plano Trump não seria necessariamente lunático, apesar de o presidente ser o que é, com risco de ser pior (além de doido, incompetente).

"Os americanos podem apenas ganhar se modernizarmos nosso sistema tributário, tivermos uma abordagem mais inteligente da regulação e investirmos em infraestrutura", escreveu Jamie Dimon em nota para saudar a posse de Trump.

Dimon é presidente-executivo do JPMorgan e preside o conselho do BRT (Business Roundtable), uma das duas organizações empresariais mais influentes dos EUA (a outra, ainda maior, é a Câmara de Comércio). Fez mais que média com o novo presidente. Fez o elogio explícito de pontos centrais do programa "pró-crescimento" de Trump. Houve mais.

Houve alegria com a decisão de autorizar oleodutos imensos, bloqueados sob Barack Obama. Quando Trump jogou no lixo o acordo de livre-comércio do Pacífico, o BRT pediu diplomaticamente apenas que Trump fizesse outros tratados na região e disse que o Nafta, o acordo com Canadá e México, precisa ser mesmo revisto.

As ideias beócias de Trump sobre comércio de fato assustam os donos do dinheiro, sejam a favor ou contra o presidente. Quanto às demais, por ora é só riso e alegria.

Desmontar a regulação ambiental ampliada e os pequenos avanços de Obama em leis do trabalho pode elevar a rentabilidade das empresas, mesmo ao custo de esfolar os americanos mais pobres, aliás minoritários.

Baixar impostos sobre empresas é um incentivo real para investimentos. 

Aumentar a dívida do governo para investir em infraestrutura é mais estímulo, aliás defendido desde a crise de 2008 por economistas reputados de esquerda.

Há quem diga que tal programa vai dar em um voo de galinha, crescimento acelerado por dois ou três anos, seguido de pouso forçado por juros altos.

Baixar imposto e elevar gasto aumentariam ainda mais o deficit federal. 

Além do mais, a economia estaria próxima do pleno emprego (demandar mais trabalho elevaria os salários além da conta: inflação).

Deficit e inflação dão em alta de juros forte, ainda mais numa economia em que a produtividade cresce no ritmo mais baixo em um século.

Para dez dias de governo, a discussão é especulativa. Mas importa notar que há muito crente de peso no sucesso da profecia de Trump.