Folha de São Paulo
O Brasil apresenta juros reais muito elevados há décadas. Mesmo os juros pagos pelo Tesouro Nacional na sua dívida de curto prazo –ou, o que dá no mesmo, os juros pagos pelo Banco Central para enxugar o excesso de liquidez no mercado, por meio das operações de curto prazo com compromisso de recompra– são muito elevados.
Diversos trabalhos sugerem que o juro básico definido no parágrafo anterior, que é aquele com menor risco de crédito e menor prazo de vencimento, precisa ser, no Brasil, para que a inflação não aumente nem se reduza –a chamada taxa básica "neutra"–, da ordem de 5% a 6% ao ano, já descontada a inflação.
A baixa poupança doméstica e, em particular, a baixa poupança pública parecem estar na raiz do fenômeno. Em períodos de estresse, a baixa poupança explica o elevado risco-país. Assim, a agenda de redução da taxa básica de juros está associada à melhora das contas públicas. Nada mais aborrecido.
De tempos em tempos, somos visitados por teorias que sugerem que há alguma forma simples de resolver o problema.
Há aqueles que acreditam que alguma jabuticaba nos mecanismos operacionais do BC explica a patologia: seja o excesso de operações compromissadas ou a existência de papéis de longo prazo cujas taxas são pós-fixadas.
Infelizmente, qualquer olhar mais cuidadoso sobre os procedimentos operacionais do BC indica não haver nada de específico neles que os diferencie da prática internacional dos melhores bancos centrais.
Outras vezes, torna-se popular a tese dos equilíbrios múltiplos: os juros poderiam ser altíssimos ou baixos para um mesmo conjunto de fundamentos, e, por algum azar, estamos amarrados ao equilíbrio ruim. Essa ideia foi testada no primeiro mandato de Dilma, quando o BC forçou a queda dos juros visando "localizar" o equilíbrio bom, com os resultados conhecidos.
Recente tese, baseada em trabalhos (também recentes) que tentam explicar os baixíssimos juros nominais nos EUA, apesar dos esforços do Fed (banco central americano) em aumentar a inflação, sugere que a baixa inflação por lá é consequência dos baixos juros nominais. Transposto para baixo do Equador, a elevada inflação por aqui seria causada pelo alto nível dos juros.
A nova heterodoxia, entretanto, esquece, em primeiro lugar, que nosso problema não é de juros elevados, mas sim de juros reais elevados.
Em segundo, ela esquece que juros reais, como fenômeno de longo prazo, não dependem dos juros nominais. Na verdade, o juro real no longo prazo de forma geral não é um fenômeno monetário. E, quando é, como pode ter sido o caso do Brasil nos anos 1980 e 1990, a relação é contrária: o descontrole inflacionário faz com que o setor privado esteja disposto a financiar o Tesouro mesmo que a taxas reais próximas de zero, se o papel público garantir a inflação.
Como escreveu meu colega Alexandre Schwartsman, em política econômica no Brasil, o revolucionário é pensar bem dentro da caixa.
Na primeira metade da década passada, estávamos no caminho correto: política fiscal conservadora, melhoras microeconômicas e, consequentemente, colheita de aumento do crescimento econômico e de queda dos juros. Não persistimos.
Agora, quando ao menos no front monetário começamos a colher resultados, propagandeiam-se heterodoxias que vendem ilusões. A persistência parece não fazer parte de nosso software.