Daniel Bramatti, O Estado de S.Paulo
Ao adotar critérios diferentes para a divisão dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas, o Congresso beneficiou 10 partidos em detrimento de outros 25. A nova regra, que dá maior peso ao tamanho da bancada no Senado, favoreceu o maior partido da Casa, o MDB. Se a divisão tivesse seguido as regras do Fundo Partidário em vigor há duas décadas, partidos como PT e PSDB teriam mais recursos nas eleições.
O ganho do MDB com as regras diferenciadas foi de quase R$ 50 milhões. Já o prejuízo dos petistas chegou a R$ 18 milhões. O PSDB, com os novos critérios, perdeu R$ 4 milhões.
Tanto o Fundo Partidário quanto o chamado fundo eleitoral vão financiar campanhas neste ano. Ambos são abastecidos por recursos públicos – R$ 863 milhões e R$ 1,7 bilhão, respectivamente. Mas as semelhanças acabam aí.
Há mais de duas décadas, o item que mais pesa na distribuição dos recursos do Fundo Partidário é o número de votos de cada partido na eleição para a Câmara dos Deputados – 95% do dinheiro é dividido segundo essa proporção e o restante igualitariamente entre todas as legendas. Ou seja, ainda que sem saber, ao votar para deputado, os eleitores também indicam quais partidos devem receber mais recursos públicos nos quatro anos seguintes.
Já o fundo eleitoral, aprovado às pressas no ano passado para poder valer já nas próximas eleições, inovou ao criar quatro critérios de divisão (veja infográfico ao lado). A parcela distribuída segundo a vontade expressa do eleitorado – o número de votos de cada partido na última eleição – passou a ser de 35%.
O peso maior foi dado à representação parlamentar. Quase dois terços do dinheiro serão destinados segundo o número de cadeiras que cada partido ocupava na Câmara (48%) e no Senado (15%) em agosto do ano passado. Como essa informação era conhecida no ano passado, foi possível calcular, antes da votação, quem mais ganharia com esse critério.
A inclusão do Senado na conta beneficiou partidos que são mais fortes em Estados menores – caso do MDB, por exemplo. Isso se deve ao fato de todas as bancadas estaduais terem três senadores, independentemente do tamanho do eleitorado.
A mesma distorção é observada ao se levar em conta as bancadas na Câmara. Em termos proporcionais, Estados com menor população elegem mais deputados. Assim, é possível que um partido conquiste mais cadeiras que outro apesar de ter menos votos. Em 2014, por exemplo, o então PMDB teve 300 mil votos a menos que o PSDB na eleição para a Câmara, mas elegeu 11 deputados a mais.
Força. O fato de o partido do presidente Michel Temer liderar o ranking de beneficiados com o cálculo do fundo eleitoral não surpreendeu o cientista político Carlos Melo, do Insper. “É a vantagem de ser governo”, disse. “Acho que os critérios do Fundo Partidário são mais democráticos, porque os deputados são eleitos pelo povo, enquanto o Senado representa os Estados. Mas política não é uma questão de justiça, e sim de força.”
Na avaliação de Humberto Dantas, professor de Ciência Política da USP, “os critérios sempre carregaram consigo subjetividade e atendem a grupos políticos”. Dantas observou ainda que, apesar de a minoria de partidos sair ganhando com os novos cálculos do fundo eleitoral, essas siglas têm as maiores bancadas.
Para o professor, deve-se considerar que ainda que a janela partidária, que permitiu a livre troca de partidos de março a abril deste ano, pode ter influenciado os votos pela mudança. “Isso pode ter sido negociado entre os deputados e legendas, na linha ‘você vota assim e, na janela, vem para cá”.
Depois do MDB, entre os maiores beneficiários de recursos com as regras do fundo eleitoral estão os partidos que mais engordaram suas bancadas com a janela partidária: o Podemos, o PP e o DEM.
Marcos Ramayana, procurador de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, e Karina Kufa e Amilton Kufa, especialistas em direito eleitoral, questionaram a mudança no cálculo. “O número de representantes no Senado jamais serviu de parâmetro para se calcular valores do Fundo Partidário e do tempo de rádio e televisão”, escreveram, em artigo publicado no Estado. Essa mudança, disseram, é uma “violação da tradição”. “É a efetiva representação do partido político na Câmara, com base no resultado das eleições, que deve ser considerada.” / COLABORARAM MARIANNA HOLANDA, ALESSANDRA MONNERAT E GUILHERME GUERRA, ESPECIAL PARA O ESTADO