terça-feira, 29 de maio de 2018

"A nefasta associação de advogados com o crime", editorial de O Globo

É evidente que a romaria aos presídios tem objetivos outros que não o de zelar pelos direitos do preso. Por isso, a questão tem de ser encarada pelas autoridades


A prisão está longe de ser o fim da linha para os chefões do tráfico. Todo mundo sabe que bandidos continuam a exercer suas atividades criminosas de dentro das cadeias. Exemplos não faltam. Em setembro do ano passado, Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, comandou, da cela no presídio federal de Porto Velho, em Rondônia, uma tentativa de invasão da Rocinha. Mais de cem homens armados de fuzis subiram o morro com o objetivo de derrubar Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, ex-aliado de Nem que passou a controlar a venda de drogas na favela. A tomada de poder não se concretizou, mas a ação violenta deixou marcas na comunidade, dando início a uma guerra que persiste até hoje, com incontável número de vítimas. Outro caso que veio a público foi o de Fernandinho Beira-Mar, que, também de Porto Velho, gerenciava seus negócios ilícitos em Duque de Caxias, na Baixada, como se livre estivesse.

Está claro que, para exercer esse poder, bandidos contam com a ajuda de alguns advogados, que fazem o papel dos chamados pombos-correio. Não se trata de suposição. Como mostrou reportagem do GLOBO publicada no último domingo, existem casos concretos de condenados ou denunciados por se associarem aos clientes. Uma advogada que representa Beira-Mar disputa com o próprio um terreno de 17 mil metros quadrados na Praia de Pipa, no Rio Grande do Norte. Para o Ministério Público Federal (MPF), é uma evidência de que ela atuou como laranja do traficante. Ela e o marido são denunciados por lavagem de dinheiro e organização criminosa num processo que corre em Rondônia. 

Outros três representantes de Beira-Mar são acusados de crimes semelhantes. Um outro criminalista responde a processo por compra de armas e drogas no Paraguai destinadas à quadrilha. Todos eles mantêm seus registros na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e continuam atuando.

O entra e sai é flagrante. Basta analisar os números. De janeiro a maio deste ano, quatro líderes de facções que cumprem pena em presídios federais receberam 69 visitas de 24 diferentes advogados.

É evidente que essa romaria às cadeias tem objetivos outros que não o de zelar pelos direitos do preso. Por isso, a questão tem de ser encarada pelas autoridades. O ministro da Segurança, Raul Jungmann, defende que as conversas entre clientes e advogados passem a ser gravadas e que, havendo indícios de crime, sejam ouvidas por via judicial. A proposta deve ser levada em conta. O importante é estabelecer regras para que advogados de bandidos sejam apenas advogados.