O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) enviou para o arquivo nesta terça-feira um processo disciplinar contra o procurador da Lava Jato Carlos Fernando dos Santos Lima. Ele estava na berlinda por ter reagido à insinuação de Michel Temer segundo a qual o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot recebera propina para denunciá-lo no escândalo da JBS. “Temer foi leviano, inconsequente e calunioso…”, escrevera Carlos Fernando no Facebook.
O mérito do processo nem chegou a ser apreciado. Um dos conselheiros do CNMP, Silvio Amorim, apresentou uma “questão de ordem”: em casos que envolvem a liberdade de expressão, o julgamento de eventuais excessos de linguagem devem ser motivados por uma queixa do ofendido. E não havia nenhuma reclamação formal de Temer contra o procurador Carlos Fernando.
Poderia o CNMP abrir um processo disciplinar contra o procurador se o próprio ofendido não representou contra ele? Levada a voto, essa questão preliminar produziu um empate: 7 votos a 7. Pelo regimento interno do CNMP, a abertura de processos disciplinares exige a concordância da maioria do plenário. Como houve empate, a coisa desceu para o arquivo.
A acusação de indisciplina teve uma origem inusitada. Quem primeiro recorreu contra Carlos Fernando foi Lula. O ex-presidente petista se irritara porque o procurador havia escrito nas redes sociais que ele estava no topo de uma organização criminosa. A reclamação de Lula foi arquivada. Considerou-se que o procurador apenas exercitara seu direito à livre manifestação do pensamento.
Lula não gostou. E recorreu. No recurso, anotou que Carlos Fernando criticara também Michel Temer. E o corregedor do CNMP, Orlando Rochadel Moreira, decidiu desarquivar o processo. Fez isso não para rever a decisão sobre Lula, mas para julgar a suposta indisciplina cometida pelo procurador ao criticar Temer.
Criou-se uma situação inusitada: escrever que Lula está no ápice de uma gangue é tolerável para o CNMP. Mas apontar leviandades de Temer exigiria um enquadramento disciplinar. Lula, o reclamente original, está preso em Curitiba. Temer, o ofendido secundário, é protagonista de dois inquéritos por suspeita de corrupção. No momento, sua autoridade cabe numa caixa de fósforos.
Nessa conjuntura, punir por indisciplina um procurador que exerce a liberdade de expressão como um direito, não como uma concessão das autoridades, seria um extraordinário retrocesso. Num instante em que um pedaço da sociedade brasileira pede a volta dos militares ao poder, o arquivamento de um processo com jeitão de censura anima e entristece. A decisão é animadora porque homenageia o bom senso. É triste porque a posição prevaleceu graças a num empate constrangedor, não a uma ampla maioria.
Ficou entendido que 50% dos conselheiros CNMP têm arrepios só de ouvir falar em liberdade de expressão. Ou, por outra, metade do conselhão do Ministério Público é composta de gente que adoraria se ver livre da expressão alheia.