Quando os dois partidos nacional-populistas italianos, o Movimento Cinco Estrelas (M5S) e a Liga do Norte, separatista, rebatizada apenas de Liga, conquistaram nas eleições legislativas em março o direito de formar um governo, os sismógrafos começaram a sinalizar abalos políticos à frente.
O conhecido discurso eurocético dos líderes das duas legendas, Luigi Di Maio e Matteo Salvini, era prenúncio evidente de que o gabinete que sairia da aliança não agradaria a Bruxelas, sede da União Europeia, e a todo defensor da integração, a melhor alternativa para o continente, sob ataque constante de neonazistas, nacionalistas e xenófobos de toda ordem.
O presidente italiano, Sergio Mattarella, ainda esperou que o improvável primeiro-ministro escolhido pelos partidos, Giuseppe Conte, um advogado não político de currículo obscuro, propusesse um gabinete, como é da norma do parlamentarismo. Assim o fez e escalou para ministro das Finanças Paolo Savona, um economista anti-UE, militante do projeto de retirada da Itália da zona do euro e da União Europeia, um provável golpe fatal no bloco.
No domingo, Mattarella teve de agir, dentro de suas prerrogativas constitucionais, e derrubou o gabinete que se constituía uma bomba de explosão imediata colocada dentro da UE pelo governo da terceira economia europeia. Com razão, o presidente se justificou com a defesa da estabilidade italiana.
Sem dúvida, porque, como já se viu na crise grega, administrada de forma que o país não saísse do bloco, a retirada de uma economia da zona do euro e o consequente retorno da antiga moeda tornam a economia insolvente no mesmo instante da saída. Pode-se imaginar quanto a lira italiana, já muito desvalorizada no passado, valeria hoje em euros.
Para piorar, a dívida pública italiana, de 130% do PIB — a brasileira, fora de controle, ainda se aproxima de 80%, nível assustador —, só não é maior que a grega.
Para assumir o governo, num período de transição, de caráter tecnocrático, Mattarella convocou Carlo Cotarelli, funcionário por longo tempo do Fundo Monetário, para a fúria da Liga, do M5S e de partidos populistas do continente. Nem assim conteve integralmente a deterioração dos títulos italianos no mercado. Na terça, por exemplo, a taxa dos papéis italianos de 10 anos de prazo chegaram a 3%, acima dos 2,6% de segunda e dos 2,8% dos papéis alemães, referência no mercado (quanto mais elevadas as taxas, menos procurados os títulos).
Sucede que a Itália, a Europa e o próprio mundo começaram a transitar numa zona de incertezas até setembro ou outubro, quando, também como estabelecem as regras italianas, deverá haver nova eleição parlamentar, na prática um plebiscito sobre a continuidade do país na UE e na zona do euro. As pesquisas não apontam para um resultado positivo. Afinal, a Liga e o M5S já tiveram 50% dos votos em março.