Diante do caos dos últimos dias como consequência da greve dos caminhoneiros, fico imaginando como essa história seria contada pela minha filha de 9 anos a seus filhos e netos: para mover os veículos, era utilizado um combustível líquido. Funcionava assim: das profundezas do mar retiravam um líquido preto chamado petróleo, que seguia para industrias enormes chamadas refinarias, onde era transformado num líquido amarelado, que conhecemos como gasolina e diesel. Este líquido era transportado em caminhões por milhares de quilômetros pelas estradas e entregue em postos de venda de combustível.
Para andar com o veiculo, a gente se dirigia a estes postos e colocava o líquido no motor e com ele conseguia andar cerca de 400 quilômetros. Quando acabava o combustível, você procurava um destes postos de combustível para reabastecer. Daí, o preço deste combustível líquido começou a ficar muito alto, e houve uma greve dos caminhoneiros; não tinha como entregar combustível, e virou o caos.
Cerca de 60% do transporte de cargas no Brasil são feitos por caminhões. Uma parte importante poderia ser revertida para outros modais, como ferroviário, aéreo ou de navegação, mas, ainda assim, parte da carga geral destinada a conectar distâncias menores ou pulverizadas precisa do transporte rodoviário.
Parece incrível, mas quase 15% de toda carga transportada no Brasil é o próprio combustível e, por se tratar de carga muito especifica, é quase sempre um frete de retorno vazio. Uma gigantesca ineficiência.
Num sistema de transporte baseado em eletricidade, essa ineficiência desaparece, pois a energia circula pelo sistema integrado de energia elétrica. Postos de recarga podem ser estabelecidos de forma rápida em qualquer lugar e ainda serem carregados com energia solar produzida no local. Embora o investimento inicial seja alto, os preços estão caindo rapidamente e, dentro de poucos anos, já serão plenamente competitivos com veículos a combustão. Os custos de operação dos veículos elétricos são muito mais baixos, além de estes serem mais confortáveis, terem melhor performance e reduzirem drasticamente a poluição local e as emissões de gases do efeito estufa.
Apesar dos óbvios benefícios, a eletrificação do transporte tem sido solenemente ignorada nas políticas de transporte, mobilidade e desenvolvimento da indústria automobilística no Brasil, como mostra a recente licitação de ônibus urbanos em São Paulo ou o Plano Rota 2030, com incentivos para a indústria automobilística desconectados dessa realidade.
O futuro do transporte passa pela eletrificação. Que a crise atual, pelo menos, sirva para acelerar a sua implementação.
Tasso Azevedo é engenheiro florestal