quinta-feira, 31 de maio de 2018

"Copa na Rússia repete corrupção de torneio no Brasil", editorial de O Globo

A história de um dos estádios, construído por um oligarca ligado a Putin, repete o modelo seguido em 2014, quando foram erguidos alguns elefantes brancos


As populações de Brasil e Rússia dividem a paixão pelo futebol e, em breve, os russos passarão pela experiência já vivenciada por brasileiros, duas vezes, de seu país sediar uma Copa do Mundo. Os russos nunca conquistaram o torneio; o Brasil, cinco vezes, mas, sem discutir estilos e qualidade do futebol que praticam, os dois fazem parte da história do esporte. Há outra semelhança, esta fora de campo e desabonadora, que é a corrupção.

Os russos, com o fim da União Soviética, abriram-se ao mundo, adotaram práticas capitalistas e tudo ficou menos opaco, tornando possível perceberem-se as práticas de negócios de alta rentabilidade para os bens relacionados com o Kremlin. Já o Brasil há quase 15 anos vasculha porões das finanças ilegais da política, coloca na cadeia uma bancada pluripartidária, estando encarcerados um ex-presidente popular, Lula, e seus dois ex-braços direitos, Antonio Palocci e José Dirceu.

Como não faz sentido instituir uma competição para se definir qual o país mais corrupto, basta a constatação de que a organização da Copa russa segue a mesma batida da montagem do torneio no Brasil, em que gastos com estádios justificaram a abertura de inquéritos, de denúncias e até prisões.

A Copa de 2018 não foge ao modelo. O mundo financeiro e político do futebol já foi abalado por investigações do FBI e do Departamento de Justiça americano na Fifa, atingindo a cúpula da federação, incluindo brasileiros. Ricardo Teixeira saiu de circulação, Del Nero está banido do futebol e evita sair do país, enquanto José Maria Marin cumpre prisão domiciliar em imóvel próprio na Trump Tower, em Nova York.

Sobre a Copa russa, há pouco o americano “The New York Times” publicou a história emblemática de um estádio construído para o torneio na cidade de Kaliningrado, ao custo de US$ 280 milhões, para 35 mil pessoas. Um colosso que ficará para o clube local, o Baltika, da segunda divisão, cuja média de público é de 4 mil torcedores. Cópia do que foi feito em Natal, Manaus, Cuiabá e Brasília. Elefantes brancos que cumpriram seu papel ao gerar negócios milionários em dólares, devidamente superfaturados por políticos e conhecidas empreiteiras, estas apanhadas na Lava-Jato.

No caso do estádio de Kaliningrado, o construtor, assim como os empreiteiros dos cinco outros estádios da Copa, são do círculo que transita no Kremlin de Putin, oligarcas já muito ricos. No caso deste projeto, ele ficou com Aras Agalarov, bem conectado também no Azerbaijão e nos Estados Unidos. Com Donald Trump, por sinal, associou-se na produção de um concurso de Miss Universo na Rússia, em 2013.

O futebol praticado na Rússia não chega ao nível do brasileiro. Mas, em negócios fora do campo, russos e brasileiros parecem dominar as mesmas técnicas. A grande diferença é que no Brasil, Ministério Público e Justiça são independentes. Enquanto Aras Agalarov e demais frequentadores do Kremlin estão a salvo.