A candidata do PSB apresentou suas propostas ao lado de Neca Setubal, herdeira do banco Itaú, e de socialistas que ressaltam a necessidade da distribuição de renda no país
Do lado direito de Marina Silva estava acomodada Neca Setubal, a herdeira do Itaú, um dos principais bancos do país. Do lado esquerdo, o presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Roberto Amaral, que bradou críticas ferrenhas ao capitalismo e defendeu a distribuição de renda. No centro, a candidata à presidência apresentou seu programa de Governo, liberal na economia e progressista nas áreas sociais, ainda que não em todas, já que a lei sobre o aborto não terá mudanças num eventual Governo dela.
Na tarde de ontem, no salão de um luxuoso bufê de Pinheiros, em São Paulo, Silva defendeu abertamente uma menor intervenção estatal na economia. No livro de 242 páginas, com propostas divididas em seis eixos, está uma das mais criticadas pela esquerda atualmente: a autonomia do Banco Central, considerada pelo PT como uma política típica de partidos “neoliberais” como o PSDB de Aécio Neves, já que daria o controle do banco ao setor financeiro do país. Ela também defendeu a manutenção da taxa de cambio livre, sem a intervenção do Banco Central, salvo as “ocasionalmente necessárias”, “com vistas para sinalizar para o mercado que as políticas fiscais e monetárias serão instrumentos de controle de inflação de curto prazo”.
O extenso documento elenca as “regras para o setor privado e para suas relações com o setor público: pôr fim às políticas discricionárias; reduzir as normas para os setores produtivos; fortalecer e dar independência às agências reguladoras; deixar a economia respirar”. Num partido de alcunha socialista, Marina se tornou uma candidata celebrada pelo mercado financeiro, que apoia suas políticas econômicas e acredita que ela é quem tem mais chances de derrubar Dilma Rousseff (PT). Uma pesquisa Datafolha publicada nesta sexta mostra que as duas estão numericamente empatadas no primeiro turno, com 34%; num segundo turno, Silva ganharia por dez pontos.
Vista como a representante do mercado financeiro da campanha, Neca Setubal, apoiadora de Silva desde a campanha de 2010, fez questão de afastar o rótulo: diz que não teve participação na parte econômica do programa, que não tem relações com o mercado financeiro e que atuou por toda uma vida na área da educação, trabalhando, inclusive, para a Unicef na América Latina. “Não tenho nenhuma experiência na área econômica, nunca exerci nenhum cargo nessa área. Eu até entendo que vocês me olhem como se eu tivesse representando o mercado financeiro. Mas eu não conheço esse mercado, eu não frequento esse mundo nem socialmente, nem profissionalmente”, declarou.
Setubal é uma das coordenadoras do programa de Governo, ao lado do ex-petista Maurício Rands, ex-secretário no Governo de Eduardo Campos, antecessor de Silva na disputa pela coligação, morto em um acidente de avião em 13 de agosto. Segundo eles, o programa foi construído com a ajuda de internautas, sindicatos, entidades da sociedade civil e teve mais de 6.000 contribuições.
Se na área financeira o programa se aproxima das pautas tucanas, na área social o texto traz propostas bastante progressistas, alinhadas e até mais avançadas que as petistas. A candidata promete manter os programas do atual Governo federal, como o Bolsa Família, o ProUni, o Programa Saúde da Família, e também destinar 10% do PIB para a educação nos próximos quatro anos, ou seja, muito antes do previsto pelo Plano Nacional de Educação aprovado em 3 de junho. Também promete destinar 10% do PIB para a saúde pública.
Além disso, toca em pontos delicados ao conservadorismo brasileiro. Entre eles, a reforma agrária, que vem perdendo espaço no atual Governo petista– em 2012, foram 23.075 famílias assentadas, muito abaixo do número registrado em 2006, de 136.358 famílias. O programa fala em realizar uma força tarefa para assentar as 85.000 famílias na fila atualmente. Além disso, também afirma que haverá investimento em modelos de políticas de Justiça restaurativa (em que o juiz atua como um “negociador” para mediar os conflitos ao invés de simplesmente punir) e em humanização do sistema penitenciário. Defende o casamento civil igualitário para a comunidade LGBT e a eliminação de obstáculos para a adoção de crianças por casais homoafetivos. “Queremos um país socialmente justo”, ressaltou Silva.
A candidata também agradou o público presente ao criticar o fisiologismo partidário brasileiro. Chamada de “Poliana” na última disputa eleitoral, Silva disse acreditar ser possível governar sem alianças que resultam no loteamento dos cargos públicos e acreditar que todos os partidos irão ajudar a construir “um novo Brasil”. “As pessoas pensam que base de sustentação é aderir de forma acrítica. Nos países democráticos, mesmo quando se faz uma oposição, fazem isso pela análise do programa”. “Não acredito que o PSDB, que tem historicamente um compromisso com a estabilidade econômica, vai ser negligente com esses objetivos no Congresso só porque ganhamos o Governo. Dizemos de antemão que pretendemos, sim, conversar com o Lula e com o Fernando Henrique Cardoso. E pode ter certeza que vai ser mais fácil do que ficar refém do PMDB”, afirmou ela, que também destacou que, caso eleita, não tentará a reeleição.
Candidata se diz contra o aborto e afirma que manterá a lei atual
T.B
Uma das principais questões de saúde pública do país, o aborto, feito por ao menos 850.000 mulheres em 2013, segundo estimativa, sendo a grande maioria de forma clandestina e em situação precária, não será alvo de mudanças no Governo de Marina Silva, caso ela seja eleita.
Questionada pelo EL PAÍS na tarde de ontem, a candidata, uma evangélica que defende o Estado laico, disse que pretende manter a legislação como está: a interrupção da gravidez só é permitida em casos de estupro, de risco à saúde da mãe ou caso o feto seja anencéfalo.
Nas eleições de 2010, Silva defendeu a realização de uma consulta popular sobre o tema, fato criticado pelas feministas porque em uma sociedade conservadora como a brasileira certamente uma legislação mais progressista sobre o assunto não seria aprovada pelo povo. “O que está previsto na lei é o que está na nossa política. A proposta de plebiscito eu apresentei em 2010, no Partido Verde, e estava em debate na Rede Sustentabilidade (o grupo político de Silva). Dentro da nossa aliança, decidiu-se pela manutenção da lei já existente. Qualquer mudança nesse sentido é uma atribuição do Congresso. Eu, particularmente, não sou favorável ao aborto”, disse ela, que acrescentou que trabalhará para a construção de políticas de prevenção à gravidez e orientação sexual.
Silva também não se comprometeu com a legalização da maconha, tema que ela também afirmava em 2010 que deveria ser submetido a um plebiscito. Isso, no entanto, não está no atual programa. “Nos comprometemos com o debate.”