domingo, 31 de agosto de 2014

"Um país só consegue crescer se for competitivo", diz economista

Ricardo Hausmann - Veja


Em busca da convergência

Para o economista de Harvard Ricardo Hausmann, países só conseguem crescer de forma substancial se forem competitivos nas cadeias globais de valor


Mulheres trabalhando em tear manual em fábrica de roupas na região de Sagaing, ao norte de Mianmar
Mulheres trabalhando em tear manual em fábrica de roupas na região de Sagaing, ao norte de Mianmar (AFP/VEJA)
Um quebra-cabeça da economia mundial é que, durante 200 anos, os países ricos do mundo cresceram mais rapidamente que os países mais pobres — um processo adequadamente descrito por Lant Pritchett como “Divergence, Big Time”. Quando Adam Smith escreveu A Riqueza das Nações em 1776, a renda per capita no país mais rico do mundo – provavelmente a Holanda – era cerca de quatro vezes maior que o dos países mais pobres. Dois séculos depois, a Holanda era 40 vezes mais rica que a China, 24 vezes mais rica que a Índia, e dez vezes mais rica que a Tailândia.
Mas, nas últimas três décadas, a tendência se inverteu. Agora, a Holanda é apenas 11 vezes mais rica que a Índia e menos de quatro vezes mais rica do que a China e a Tailândia. Observando esta inversão, o ganhador do Nobel Michael Spence defende que o mundo está preparado para o que ele chama de A Próxima Convergência.
Contudo, alguns países ainda divergem. Embora, em 1980, a Holanda fosse até 15 vezes mais rica que Nicarágua, Costa do Marfim, e Quénia, respectivamente, em 2012, era até 24 vezes. O que poderia explicar a generalizada divergência em um período e a convergência seletiva em outro? Afinal, não deveriam os retardatários crescer mais rapidamente que os líderes, se tudo o que precisam fazer é imitar os outros, até mesmo saltando tecnologias hoje obsoletas? Porque não cresceram mais depressa por tanto tempo, e porque estão fazendo isso agora? Por que alguns países estão convergindo agora, enquanto outros continuam a divergir?
Existem potencialmente muitas respostas a estas perguntas. Mas eu gostaria de esboçar uma explicação possível que, se verdadeira, terá implicações importantes para estratégias de desenvolvimento hoje.
Leia em Project Syndicate:
Robert Skidelsky: Morte às máquinas?
Martin Feldstein: O futuro do crescimento americano

Mark Sposito: Desigualdade de renda e desemprego juvenil
A expansão econômica dos últimos dois séculos tem sido baseada em uma explosão do conhecimento sobre o que pode ser feito, e como. Uma boa metáfora é o jogo de palavras cruzadas: os bens e serviços fornecidos pela combinação de capacidade de produção – insumos, tecnologias, e tarefas – exatamente como as palavras são feitas com letras. Os países que têm uma maior variedade de capacidades podem construir bens mais diversificados e sofisticados, assim como um jogador de Scrabble que tem mais letras pode criar mais e mais palavras.
Se a um país faltar uma letra, não poderá formar as palavras que a incluem. Além disso, quanto mais letras tiver um país, maior é o número de usos que poderá encontrar para a letra adicional que adquiriu.
Isto leva a uma “armadilha de tranquilidade,” que está no cerne da Grande Divergência. Os países com poucas “letras” não são incentivados a acumular mais letras, porque não podem fazer muito com uma letra adicional: você não iria querer um controle remoto de TV se você não tem uma Televisão e você não estaria interessado em uma emissora de TV se seus clientes potenciais não tivessem eletricidade.
Esta armadilha torna-se mais profunda quanto maior for o alfabeto e quanto maiores forem as palavras. Os últimos dois séculos observaram uma explosão em tecnologias – letras – e na complexidade de bens e serviços que podem ser feitos com elas. Portanto, os técnicos tornam-se cada vez mais técnicos, e os retardatários atrasam-se cada vez mais. Então por que é que alguns países mais pobres estão hoje convergindo? O alfabeto tecnológico está ficando mais curto? Os produtos estão ficando mais simples?
Obviamente, não. O que está acontecendo é que a globalização tem separado as cadeias de valor, permitindo que o comércio se mova das palavras para as sílabas. Agora, os países podem entrar no negócio com menos letras e adicionar letras com mais moderação.
Antigamente, se quiséssemos exportar uma camisa, tínhamos de ser capazes de desenhá-la de acordo com o gosto de pessoas que não conhecíamos verdadeiramente, adquirir os materiais apropriados, fabricá-la, distribuí-la através de uma logística eficiente, lançar a marca no mercado e vendê-la.  Se não tivéssemos executado todas essas funções perfeitamente, estaríamos fora do mercado. A globalização permite que todas essas diferentes funções sejam desempenhadas em lugares diferentes, permitindo assim aos países participar mais cedo, quando ainda têm poucas capacidades locais disponíveis, que poderão depois ser expandidas ao longo do tempo.
Um exemplo recente é a Albânia. Conhecida como a Coreia do Norte da Europa até o início da década de 1990, o país começou cortando e costurando roupas e sapatos para empresas de fabricação italiana, evoluindo gradualmente para suas próprias empresas totalmente integradas. Outros países que começaram a trabalhar no setor do vestuário – tais como a Coreia do Sul, o México, e a China – acabaram reutilizando as letras acumuladas (capacidades logísticas e industriais) levando outros a se deslocarem para a produção de artigos eletrônicos, de automóveis, e de equipamentos médicos.
Tomemos por exemplo uma versão estilizada da venda da Thinkpad da IBM à empresa chinesa Lenovo. A IBM pediu certa vez a uma empresa chinesa que montasse o seu Thinkpad – usando os componentes fornecidos pela IBM e seguindo um conjunto de instruções – e pra enviar o produto final de volta à IBM.
Uns anos depois, a empresa chinesa sugeriu cuidar pessoalmente do fornecimento de componentes. Logo, se ofereceu para cuidar da distribuição internacional do produto final. Posteriormente, se ofereceu para redesenhar o próprio computador. Logo depois, a contribuição da IBM ao negócio deixou de ser relevante.
Aprender a dominar novas tecnologias e tarefas está no núcleo do processo de crescimento. Se, durante a aprendizagem, enfrentarmos a concorrência por parte dos mais experientes, é pouco provável que a empresa sobreviva o tempo suficiente para adquirir a experiência própria. Este tem sido o argumento que se tem utilizado para respaldar as substituições de importações, que utilizam as barreiras comerciais como o principal instrumento da sua política. O problema com a proteção comercial é que, ao restringir a concorrência estrangeira, também significa impedir o acesso aos insumos e ao know-how.
Uma forma alternativa de aprender na prática, potencialmente muito mais poderosa do que fechar os mercados à concorrência externa, é participar nas cadeias globais de valor. Isso permite uma acumulação mais parcimoniosa de recursos produtivos ao reduzir o número de recursos iniciais que é preciso ter para se entrar em um negócio. 
Esta estratégia requer uma política comercial de grande abertura, porque requer o frequente envio transfronteiriço de mercadorias. Mas isso não justifica o laissez-faire; pelo contrário, exige políticas ativistas em diversas áreas, tais como a educação e a capacitação, infraestrutura, I&D, promoção comercial, e o desenvolvimento de vínculos com a economia global.
Alguns descartam essa estratégia, argumentando que, com ela, os países meramente acabam por montar as coisas de outros. Mas, como uma vez disse o famoso astrônomo Carl Sagan: “Se quisermos fazer uma torta de maçã a partir do zero, teremos primeiro que criar o universo”.
Ricardo Hausmann, ex-ministro do planejamento da Venezuela e ex-economista-chefe do Banco Interamericano de desenvolvimento (BID), é  professor de economia na Universidade de Harvard, onde também é diretor do Centro para o Desenvolvimento Internacional
(Tradução: Roseli Honório)