É razoável supor que a significativa reviravolta na campanha eleitoral provocada pela trágica e imprevisível morte de Eduardo Campos e sua substituição por Marina Silva seja o resultado da maior identificação da nova candidata do PSB à Presidência com o desejo de mudança claramente captado por todas as pesquisas de opinião realizadas a partir das manifestações populares de junho de 2013.
Não se trata aqui, contudo, de investigar as razões pelas quais Marina Silva foi capaz de, desde logo, multiplicar por três as intenções de voto que indicavam a candidatura de Campos fora do segundo turno, colocando-se agora, ela própria, na condição de favorita numa votação final, seja qual for seu oponente. O que importa é procurar entender até que ponto esse fenômeno eleitoral, se vier a se confirmar, será realmente capaz de mudar o futuro do País.
Marina Silva se apresenta como alternativa à polarização PT-PSDB que há duas décadas domina o cenário político nacional e tenta se credenciar para esse desafio com uma proposta de mudança que se consubstanciaria numa "nova política" capaz de elevar o padrão ético e de eficácia na gestão da coisa pública. Não é pouca coisa e é impossível de imaginar que algum cidadão bem-intencionado possa se opor a tão elevado propósito, mesmo que ainda não se conheça sua tradução num programa de governo claramente definido. Resta saber de que condições objetivas a candidata do PSB disporá para enfrentar o nada fácil desafio de transpor para o plano da realidade aquilo que fica tão bem no das intenções.
A implantação bem-sucedida de qualquer programa de governo e sua instrumentalização no aparato governamental - especialmente de um plano que se propõe a desenraizar práticas nefastas consagradas através dos tempos - exigem dois pré-requisitos essenciais: apoio político em seu sentido mais amplo e a existência de quadros técnicos competentes e comprometidos com a excelência da gestão pública.
Um chefe de governo recém-eleito conta, por definição, com o apoio político da maioria da sociedade. Mas, na democracia representativa, para a efetivação de mudanças é indispensável também o apoio político dos representantes do povo e dos Estados que compõem o Poder Legislativo. Não é por outra razão que, quando não tem disposição, competência e coragem para contrariar interesses estabelecidos, o "presidencialismo de coalizão", que é o que temos, torna o Poder Executivo refém do fisiologismo.
O apoio proativo de uma sociedade dotada de informação e discernimento é geralmente suficiente para induzir à correção dos desvios de rota do poder público. As manifestações de junho do ano passado demonstram o potencial dessa prática. Mas a "voz das ruas" nem sempre está disponível, até porque o cidadão, por mais politizado que seja, tem de atender a outras prioridades em seu cotidiano. Somente uma conjugação especial e imponderável de circunstâncias ou de situações-limite de instabilidade social são capazes de "colocar o povo nas ruas" para fazer mudanças. E isso raramente ocorre sem danos irreparáveis à democracia.
Por outro lado, um programa ambicioso de mudanças como o que Marina Silva anuncia depende fortemente da existência de quadros técnicos suficientes e competentes para implementá-lo. Não é, certamente, no âmbito apenas dos partidos que a apoiam que ela encontrará todo o elenco de profissionais à altura do desafio de fazer o governo funcionar. Menos mal que, sabedora dessa carência e aparentemente disposta a substituir o atual compadrio desmedido pela meritocracia, Marina tem acenado com a intenção de recrutar profissionais competentes onde quer que estejam, independentemente de filiação partidária.
Cravar com sucesso no Planalto a bandeira de uma genuína "nova política" é desafio que, além dos pré-requisitos do apoio político e técnico, exige também extraordinária capacidade de articulação e conciliação, de estabelecer o exato ponto de equilíbrio na delicada tarefa de adequar meios a fins - de governar, enfim. A dificuldade para o exercício da conciliação talvez seja a maior vulnerabilidade de Marina Silva. A primeira mudança essencial de que necessita o País, afinal, é o fim da divisão do Brasil entre "nós e eles".