domingo, 31 de agosto de 2014

É grave a crise de Dilma: Varejo perde força e tenta reagir com liquidações fora de época

Nice de Paula, Cristiane Bonfanti, Roberta Scrivano e Flávia de Aguiar - O Globo

CNC prevê alta de 4% nas vendas, pior resultado em 11 anos

Após anos de crescimento robusto, o comércio e os serviços estão perdendo a força e a capacidade de sustentar o Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país) ante a fraca atividade da indústria. Estudo da Confederação Nacional do Comércio (CNC), ao qual o GLOBO teve acesso com exclusividade, prevê aumento de 4% nas vendas do varejo em 2014, resultado que, apesar de alto ante a expectativa de crescimento da economia próximo de zero, é o mais baixo dos últimos 11 anos.

Os números divulgados na sexta-feira pelo IBGE mostram que junto com o PIB de -0,6%, o comércio encolheu 2,2% no segundo trimestre em relação ao trimestre anterior, a maior perda desde o fim de 2008, ápice da crise financeira mundial. Os serviços caíram 0,5%, o maior recuo desde o início de 2013. Um reflexo desses números está estampado nas vitrines de shoppings e lojas da cidade, onde as liquidações se multiplicam e não seguem mais qualquer calendário, numa tentativa do varejo de amenizar a queda nas vendas e queimar estoques.

A liquidação “Agora é que são elas”, nome sugestivo da ação que começou na quinta-feira e vai até o próximo domingo em Botafogo Praia Shopping, Shopping Boulevard e Shopping Nova América, reflete bem a situação enfrentada pelo comércio. Como tradicionalmente esta não é época de promoção, a Ancar Ivanhoe, responsável pelos shopping, investiu R$ 150 mil para fazer uma liquidação só para mulheres (embora as lojas de artigos masculinos também possam participar), com “ações de encantamento”, que incluem modelos vestidos de príncipe encantado, buscando as consumidoras com sapatinhos na mão, e consulta de tarô grátis para quem gastar mais de R$ 100.

— É um ano atípico, com Copa do Mundo, eleições. Veio com uma configuração adversa. A gente está tendo um trabalho muito maior para manter o ritmo de crescimento, vem investindo em promoções diversas, mas não estamos conseguindo crescer como nos últimos anos. Não está fácil para ninguém, não é exclusividade nossa, estamos mantendo a média, mas precisamos usar criatividade e fazer ações como essa. É uma liquidação totalmente fora de época. Pelo calendário tradicional, só faríamos liquidação em janeiro — diz Andrea Gusmão — gerente de Marketing Corporativo da Ancar Ivanhoe.


Preço de sapato cai de R$ 219 para R$ 9

Ações semelhantes estão acontecendo em outros grupos de varejo. De amanhã até o dia 7, NorteShopping, Plaza Shopping, Ilha Plaza e outros shoppings do grupo BRMalls fazem liquidação em lojas de sapatos e bolsas. Entre os destaques, uma ankle boot da Cris Roberto passou de R$ 218 para R$ 9. Já o RioSul decidiu não fazer este ano sua tradicional liquidação, o Barato Carioca, e a lojas mantiveram promoções por um período maior que o de costume.

— As liquidações não são mais rígidas e sazonais, o calendário das lojas é muito particular e em torno das coleções. Fica difícil coordenar as liquidações do shopping — afirma, Marcio Werner, superintendente do RioSul.

Na mesma linha, o BarraShopping, que costuma fazer duas liquidações do Lápis Vermelho, uma em janeiro e outra em junho, desistiu de realizar a do meio do ano, mas tem uma série de lojas com preços promocionais.

— Setembro não seria momento de liquidações e ao menos uma em cada quatro lojas do Rio, está liquidando, não só nos shoppings, mas também nas lojas de rua. O risco é o efeito paisagem, as placas ficam ali o ano inteiro e perdem a credibilidade e a capacidade de atrair o consumidor. O normal seria haver uma liquidação em janeiro para vender o que sobrou do Natal, outra depois do inverno e, no máximo, uma antes de entrar o inverno — diz Daniel Plá, professor de varejo da Fundação Getulio Vargas.

Dono de uma loja Uatt, especializada em presentes criativos, Guilherme Rodrigues aposta na liquidação para compensar os fracos resultados deste ano.

— Julho foi o pior mês de vendas, com queda de 25% em relação ao mesmo período do passado. Além disso, a Copa começou bem no Dia dos Namorados, que é uma data fortíssima. A projeção era extrapolar os resultados de 2013, mas também houve queda. No Dia das Mães, ficamos cerca de 6% abaixo, mas para a forma como o ano estava indo, até surpreendeu. Estávamos esperando até menos — conta.

Para o consultor Marcos Gouvêa de Souza, diretor-geral da GS&MD — Gouvêa de Souza, houve um impacto muito forte no varejo nos meses de junho e julho, como efeito da Copa, mas a redução nas vendas ocorrerá por causa da queda na confiança do consumidor, não dependendo do nível de emprego, renda e da oferta de crédito:

— Agosto mostrou uma leve melhora. Mas no resto do ano e daqui em diante, o consumo será menor.

Para o ex-diretor do Banco Central (BC) Carlos Thadeu de Freitas, os juros são os principais responsáveis pelas perdas do comércio e serviços. Ele explica que a média cobrada das pessoas físicas está 8,4% mais alta do que há um ano. Descontada a inflação do período, isso significa que, em termos reais, os juros aumentaram 2,5%, que também é quanto subiram os salários.

— O comércio e os serviços vinham sendo sustentados por esse ganho de renda das famílias, que agora foi comido pela alta dos juros. O comércio ainda vai fechar com alta de 3,5% a 4%, porque até o fim do ano, os preços dos alimentos vão cair e abrir espaço no orçamento — explica.


Crédito caro é o vilão

Esse recuo dos alimentos, prevê Freitas, também pode ajudar o Natal a ser, pelo menos, igual ao do ano passado.

— Mas não será um Natal de bens duráveis que dependem de crédito, será de vendas de vestuário e alimentos, porque, pelo menos até onde a vista alcança, não há nenhuma expectativa de redução das taxas de juros.

Pelas estimativas da CNC, o Natal, data mais importante do ano para o comércio, movimentará R$ 32,5 bilhões em 2014. Se confirmado, o número representará crescimento de 3% acima da inflação na comparação com as vendas de 2013, mas também uma desaceleração, porque no ano passado a expansão foi de 5,13%.

O economista da CNC Fábio Bentes afirma que, se no ano passado o vilão do comércio foi a inflação alta, neste ano o problema está no crédito cada vez mais caro. Segundo o BC, a taxa média cobrada das pessoas físicas pelos bancos com recursos livres (que as instituições financeiras têm liberdade para escolher como emprestar) está em 43,2% ao ano. É o maior patamar desde que o BC começou a divulgar os dados, em março de 2011.

— A pedra no sapato do comércio tem sido o crédito. A inflação está desacelerando, mas o juros estão ficando mais altos. Não há aumento de renda nem diminuição de preços que compense esse encarecimento do crédito — diz.

Pelas projeção da CNC, o crescimento do comércio este ano só não ficará abaixo do registrado em 2003, quando as vendas recuaram 3,7% na comparação com o ano anterior. Em 2013, o avanço foi de 4,3%.

A maioria dos segmentos do varejo deverá registrar desaceleração nas vendas. No de bens duráveis, o crescimento estimado é de 5,9% este ano, ante 7,2% em 2013. No caso de móveis e eletrodomésticos, haverá uma aceleração: crescimento de 5,6% este ano, na comparação com um resultado de 4,9% no ano passado.

As vendas em supermercados crescerão 4,5%, ante queda de 1,9% no ano passado. A comercialização de artigos farmacêuticos, médicos e ortopédicos crescerá 6,6%, menos que os 10,1% registrados em 2013.

Luis Augusto Ildefonso, diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira de Lojistas de Shopping, afirma que, no início do ano, empresários de grandes redes varejistas de shopping, esperavam crescimento de 8% nas vendas. No fim de julho, a taxa caiu para entre 5% e 6%.

— Além do cenário econômico atual e das taxas de juros mais elevadas, há uma retenção de compras por parte do consumidor. A propensão do brasileiro para comprar está baixa, e o ânimo do lojista caiu — observa.