sábado, 30 de agosto de 2014

A disputa pelo voto da classe C. Nova classe média se desiludiu com o PT e com o governo Dilma


Vinícius Gorczeski e Aline Ribeiro - Epoca

Uma pesquisa exclusiva mostra que a nova classe média se desiludiu com o PT e com o governo Dilma Rousseff – e procura novas alternativas nas eleições de outubro
Quando virou mãe, a dona de casa paulistana Gabriela de Oliveira, de 24 anos, ganhou uma segunda residência: a Santa Casa de Misericórdia, no centro de São Paulo. Sua filha, a pequena Kamilly Vitória, hoje com 6 anos, teve sua primeira convulsão logo na primeira hora de vida. Foi diagnosticada com epilepsia e, a partir daí, as crises a levaram ao hospital por incontáveis vezes.

Com Arthur, o filho mais novo, não foi diferente. Ele sofre de bronquite asmática e, antes de completar o primeiro ano de vida, já contava quatro internações, com tubos no nariz. Gabriela e o marido, Rômulo, de 28 anos, moram na periferia da Zona Norte de São Paulo.

Os quase 10 quilômetros que separam sua casa do hospital nunca pareceram tão intransponíveis como numa madrugada do ano de 2009. Kamilly despertou por volta de 2 da manhã com febre alta e o corpo tremendo, os primeiros sinais da convulsão. A madrinha da menina, acostumada a ajudar nessas ocasiões, não estava em casa.

Ônibus nenhum passava àquela altura da noite. O casal recorreu então ao Samu. Foi informado de que não havia ambulância disponível. Impotentes e desesperados, Gabriela e Rômulo pegaram a filha nos braços e, por mais de uma hora, caminharam entre as vielas do morro até a Unidade Básica de Saúde mais próxima.

Como também não contavam com um carrinho de bebê, revezaram-se com a garota no colo. Passada a crise, Gabriela e Rômulo perceberam que comprar um carro – mesmo sem ter dinheiro no bolso – era fundamental para a saúde e a sobrevivência da filha.

A vida de Gabriela melhorou nos últimos anos. Ela deixou o cômodo pouco arejado que dividia com mais dois irmãos na casa da mãe para ocupar um quarto espaçoso, só dela e do marido, na casa da sogra. Responsável pelas contas da família, Rômulo trabalha como supervisor numa distribuidora de peças automotivas. Ele tem carteira assinada e já chegou a ter plano de saúde empresarial. As roupas dos filhos estão sempre impecáveis.

As fraldas de Arthur são as mais caras do supermercado. Na geladeira, não faltam iogurtes de sabores variados para as crianças. Os smartphones de última geração, com acesso pré-pago à internet, estão sempre à vista pela casa. Com tão pouca idade, Kamilly tem um tablet só para ela.

A situação econômica permitiu também a compra do tão sonhado (e necessário) carro próprio, um Fiesta ano 1998, pago em sofridas 48 parcelas de R$ 380, num total de R$ 18.240. Se comprado à vista, o mesmo modelo usado sairia por menos de R$ 13 mil.

Prestações a perder de vista, o desejo de consumir itens para além da cesta básica e o deslumbre com a tecnologia traçam o retrato fiel de uma camada da sociedade que emergiu no Brasil nas últimas duas décadas: a classe C. O termo “classe C” começou a ser usado com frequência no início do governo de Fernando Henrique Cardoso.

Ele identificava o contingente de brasileiros repentinamente incluídos no mercado de consumo graças ao fim da inflação – a percentagem de brasileiros na classe C saltou de 31% dos brasileiros, em 1993, para 37% em 1998, segundo dados da Fundação Getulio Vargas. Nos dois mandatos do PSDB, a classe C também se beneficiou do maior programa de expansão da educação básica da história brasileira. Veio o governo Lula, e a classe C continuou ganhando.

Ela passou a ser beneficiária da expansão dos programas sociais durante os dois mandatos petistas e também da onda de crescimento econômico. O contingente de classe C subiu de 37% para 54% da população entre 2002 e 2010, segundo os mesmos dados da FGV.