No Brasil não se ganha uma eleição sem vencer entre os mais pobres, reza o lugar comum sobre as disputas presidenciais desde 1989.
Mas, a julgar pelos dados das duas mais recentes pesquisas do Datafolha, a candidata Marina Silva (PSB) pode chegar ao Palácio do Planalto mesmo sem vencer no estrato mais pobre da população.
Os eleitores que vivem em famílias com renda de até dois salários mínimos –em torno de 40% do total– compõem a única faixa de renda em que a ex-ministra do Meio Ambiente perde para a presidente Dilma Rousseff (PT).
Neste universo, o placar está em 48% a 43% para Dilma, segundo pesquisa divulgada pelo Datafolha na sexta (28).
Marina abocanha os votos decisivos para aparecer na frente no estrato de renda seguinte (2 a 5 salários mínimos, 38% da amostra), batendo Dilma por 54% a 36%.
Na classe média tradicional e entre os mais ricos, Marina alarga sua vantagem.
Numa coalizão demográfica que avança sobre uma parte cativa da base lulista e, ao mesmo tempo, agrada à classe média e aos mais ricos,
Marina derrota a preferência majoritária dos mais pobres.
Marina derrota a preferência majoritária dos mais pobres.
"Dilma ainda está segura entre os mais pobres, mas Marina entrou no eleitorado de 2 a 5 salários, que pode ser o fiel da balança e será disputado nas próximas semanas", diz o cientista político André Singer, colunista da Folha.
"Se o descolamento desse grupo de 2 a 5 salários acontecer, eles estariam saindo da coalizão com os mais pobres e indo para uma coalizão com os mais ricos", diz. "Seria inédito. Os mais pobres sempre estavam do lado ganhador."
Singer é autor de "Os Sentidos do Lulismo" (2012), livro em que aponta a eleição de 2006 como marco do realinhamento do eleitorado. Segundo ele, foi quando a base do PT ganhou o apoio dos pobres e perdeu a classe média ligada à fundação da sigla.
Para Singer, as pesquisas mais recentes do Datafolha reforçam o seu diagnóstico.
"A base do lulismo é essa: até dois [salários mínimos], o núcleo duro. Eles estão se mantendo fiéis, apesar da situação mais difícil", diz.
BENEFICIÁRIOS
Para o brasilianista Timothy Power, da Universidade de Oxford (Reino Unido), o "enigma" da disputa está no abandono do PT por parte de um segmento específico do eleitorado de renda baixa: os que têm se distanciado dos extremamente pobres e dos dependentes dos programas de transferência de renda.
Power elenca hipóteses. Primeira: o PT "criou a classe C", mas agora ela quer mais serviços e menos impostos, tornando-se mais parecida com a "velha classe média".
Segunda: os que têm renda de 2 a 5 salários mínimos podem criar uma relação com Marina, que tem biografia diferente dos candidatos da oposição apresentados antes.
É nessa faixa, diz ele, que o desempenho de Marina é francamente melhor que o de José Serra (PSDB) em 2010.
"Em resumo, Dilma ganha entre os beneficiários [dos programas sociais], mas Marina vence entre os trabalhadores pobres", diz Power, para quem Dilma teria chances de se recuperar se transformasse a eleição numa espécie de plebiscito sobre a inclusão social dos últimos anos