Jeff Bridges tem uma fama curiosa em Hollywood. Ele é conhecido como "o cara mais legal do cinema". O ator dos filmes "O Grande Lebowski", "Bravura Indômita" e "Tron" também tem uma banda de country rock, faz editação, fuma um baseadinho de vez em quando e toma um drinque sem nenhuma culpa. Até escreveu um livro sobre o sentido da vida.
Mas o fundamental é sua simpatia, que ele mostra na entrevista. De camisa similar a um traje chinês, Jeff, 64, recebe a reportagem como se fosse um encontro entre amigos: "Como vai, irmão? Posso te servir alguma coisa?" Sento ao seu lado no sofá e vou direto ao assunto: "Todo mundo diz que você é o sujeito mais bacana de Hollywood..."
Joseph Llanes/Getty Images | ||
O ator Jeff Bridges estrela "O Doador de Memórias" ao lado de Meryl Streep |
"Não é bem assim", diz. "Precisei dar socos em uma mesa para ser ouvido durante as filmagens de 'O Doador de Memórias'", diz sobre seu novo filme, que estreia no Brasil no dia 11 de setembro.
Na adaptação do livro "O Doador" (1993), da escritora americana Lois Lowry, Jeff não é só o protagonista (um guardião das memórias de uma sociedade do futuro, protegida da dor pela ausência de lembranças e entimentos) mas também um dos produtores. "Parte do sucesso de um filme está na escalação do elenco e do diretor. E isso coube a mim também."
Ele fala do filme com a mesma intensidade que dedicou a criar alguns ícones do cinema das últimas décadas, como o porra-louca "The Dude", de "O Grande Lebowski" (1998), o alienígena de "Starman - O Homem das Estrelas" (1984) e o cantor folk alcoólatra de "Coração Louco" (2009), que lhe rendeu um Oscar de melhor ator (já foi indicado outras cinco vezes).
A semente do projeto foi plantada há 18 anos, quando Jeff leu "O Doador" e vislumbrou o pai, o ator Lloyd Bridges, como o protagonista da história. E é esse o papel que ele mesmo representa na filmagem. "O homem grisalho na capa do livro poderia ser um papel incrível para meu pai, 'dude'", explica, terminando a frase com a expressão que batizou seu personagem mais famoso. "Mas acabei eu mesmo virando o homem grisalho."
"Beau [seu irmão mais velho, também ator] foi meu professor", diz. "Mas foi meu pai quem me mostrou a alegria de trabalhar no cinema. Quando ele entrava no set, cantarolando, mostrava seu prazer em estar ali e isso acabava contagiando a equipe. Faço o mesmo."
Jeff Bridges
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Os atores Meryl Streep e Jeff Bridges em cena do filme "O Doador de Memórias" (2014)
EM FAMÍLIA
Beau e Jeff estrearam ainda crianças ao lado da mãe, Dorothy Dean Bridges (em "A Carne e a Alma", de 1951), e do pai, Lloyd, na série "Sea Hunt" (1958). Os irmãos só atuaram juntos de novo uma vez, em "Susie e os Baker Boys" (1989).
Em um evento no Los Angeles County Museum of Art (Lacma), chamado "Uma História de Duas Pontes", sendo as pontes, no caso, os dois irmãos Bridges (pontes em inglês), Beau, 72, contou histórias de uma outra fase de Jeff.
"Quando era mais novo, ele era um encrenqueiro, agora melhorou", revelou o irmão mais velho. Aos 14, Jeff foi internado em uma clínica de reabilitação pelos pais, temerosos do uso constante de álcool e maconha pelo filho.
Ele ainda diz fumar "unzinho" e beber ocasionalmente, além de manter uma tradição peculiar: sempre que completa uma filmagem, toma um porre para comemorar.
E não perde o bom humor. Nem mesmo quando fala sobre seus fracassos, como "R.I.P.D." (2013), que custou US$ 130 milhões, rendeu US$ 33 milhões e foi massacrado pela crítica. "O bom de trabalhar com cinema é que você não tem muito tempo para ficar ressentido. Termina um filme e já sai para outro", diz.
Esse ritmo, no entanto, tem um preço. "Olha, não vou dizer que não penso em parar, 'dude'. Meu tempo neste mundo é limitado e tenho muita coisa para fazer. É como aquele desenho do Pluto, em que aparecia um diabinho e um anjinho nos ombros dele. Um diz: 'Jeff, você precisa trabalhar'. O outro fala: 'Jeff, você quer passar o resto da sua vida em um eterno trabalho?' Minha mulher, Susan, fica louca com esse dilema."
O ator ainda arruma tempo para excursionar com sua banda de country rock, The Abiders. No ano passado, lançou o livro, "The Dude and the Zen Master" (O Cara e o Mestre Zen), no qual conversa sobre o sentido da vida com o guru zen Bernie Glassman. Jeff é budista e medita pelo menos uma hora e meia antes de começar um dia de trabalho.
ORDENS LÁ DE CIMA
"Eu não interpreto um papel em 'O Doador de Memórias', eu canalizo aquele personagem", explica. "Eu me entrego completamente aos diretores. Mas, de vez em quando, 'dude', é difícil explicar. Existem duas pirâmides: a primeira representa a equipe, com o diretor no topo; a segunda, do lado oposto, representa Deus, o universo e a energia artística. Algumas vezes recebo ordens do Grande Cara lá de cima."
Jeff desenvolveu um método de não se irritar com cineastas difíceis. "Uma vez estava batendo cabeça com um diretor que queria controlar tudo com pulso de ferro. Fiquei possesso, sem dormir à noite, não consigo trabalhar assim", diz.
"Decidi criar um diretor virtual na minha mente. Nem falava mais com aquele 'dude', apenas com seus assistentes. Então, não precisava mais tentar espremer um suco de laranja de um pé de maçã."
Cineastas mandões podem até tentar, mas é difícil deixar o "dude" realmente nervoso. Na pior das hipóteses, o diretor será simplesmente ignorado. O "dude" ataca de mestre zen.