Gabriela Valente e Eliane Oliveira - O Globo
Valorização frente ao real deve ajudar indústria. Consenso é que próximo ano será de ajuste
Há um consenso entre analistas, empresários e até entre técnicos do governo: 2015 deve ser um ano de ajuste na economia que passará por uma alta do dólar. Enquanto a média da cotação da moeda americana deve ficar em R$ 2,29 este ano, no ano que vem deve saltar para R$ 2,44, estimam economistas. No fim de 2015, chegaria a R$ 2,50.
Os números podem mudar ao sabor das eleições, mas, independentemente de saber quanto a cotação aumentará de fato, a esperança é que essa alta surta bons efeitos na estimulação da atividade econômica. Um setor que aguarda com ansiedade essa mudança no câmbio é a indústria. No segundo trimestre, a indústria recuou 3,4% em relação a igual período do ano passado, a maior queda desde o primeiro trimestre de 2009. Para as empresas exportadoras, quanto maior o dólar, melhor.
Representante de um dos setores mais prejudicados com a valorização cambial, o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções (Abit), Fernando Pimentel, reclama que o câmbio voltou a ser utilizado pelo governo como fator de contenção de inflação. E alerta que, ao contrário do mercado mundial e nossos concorrentes, o Brasil está com a moeda apreciada há três anos.
— O que dá para dizer é que o câmbio está fora do lugar. Qualquer estratégia que vise a trabalhar de maneira estruturada para resgate de produtividade passa também pelo câmbio — destaca Pimentel.
O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, vê a alta do dólar mais como positiva do que negativa. Para ele, as exportações passarão a ter fôlego novo, o processo de desindustrialização poderá ser interrompido e empregos serão gerados, com a recuperação da balança comercial. Sobre o fato de parte dos componentes e matérias-primas ser importada, ele diz:
— Isso estimula a produção de componentes nacionais. É bom lembrar que matéria-prima é componente, e não produto final. Mas o mais importante é que precisamos ter previsibilidade. O que temos hoje, claramente, é que o câmbio não é flutuante, e sim administrado.
Defasagem entre 15% e 20%
Analistas do mercado e técnicos da equipe econômica esperam que o dólar fique mais caro já no fim do ano. No governo, há expectativa de que o Banco Central (BC) segure a defasagem atual — entre 15% e 20% — até o segundo turno, mas, passado o período eleitoral, segundo fontes da equipe econômica, o BC deixaria o dólar flutuar mais livremente.
— A desvalorização do real será inevitável — disse um técnico do governo.
Para o economista-chefe da corretora NGO, Sidney Nehme, 2015 será um ano de arrumação independentemente do presidente que assumir. Ele ressalta que o próximo governo terá de lidar com uma situação que não é simples porque passa por todo o debate de competitividade da economia, que tem diminuído nos últimos anos.
Nehme lembra que, para atrair dólares, é preciso credibilidade. Para ele, o BC teve de vender proteção (em contratos de swap, clássico instrumento para fugir da variação cambial) porque o real não tem credibilidade. Para mudar, é preciso tempo:
— Se fizermos a lição correta, gastaremos 2015 para deixar o câmbio normal. Teremos de desfazer o que foi feito. O país não tem fluxo suficiente, temos um problema sério nessa área. A economia tem de ganhar credibilidade para não ter de recorrer à proteção cambial como em 2013 e 2014. Com o crescimento atual, ninguém atrai investidores.
O efeito colateral da alta seria o aumento da inflação, o que é amenizado nas discussões do governo, porque os alimentos estão com preço mais baixo.