sábado, 30 de agosto de 2014

É necessário ser arrogante para escrever, diz Ken Follett

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Meire Kusumoto
O britânico Ken Follett, 65 anos, atribui à sua sólida autoconfiança a empreitada de sucesso no mercado editorial, com vendas que somam 150 milhões de livros no mundo em 40 anos de carreira. O autor de romances históricos como Os Pilares da Terra e a trilogia O Século, cujo último livro, Eternidade por um Fio, ele divulga neste sábado na Bienal do Livro de São Paulo, afirma que, mais que autoconfiança, é preciso ter certa eternidade-por-um-fio2arrogância para escrever. “Você precisa acreditar que vão querer ler e gastar dinheiro com algo que você inventou. Isso vai além da confiança, chega a ser arrogância. Mas ela é necessária para que você consiga terminar um livro.”
Para Follett, não há fórmula mágica para criar best-sellers. Exemplo disso é a recepção positiva de sua trilogia, algo improvável para uma história que retrata três gerações de cinco famílias durante o século XX, passando pelas duas grandes guerras, pela Guerra Fria e terminando nos anos 1980. Ainda que aborde um período sangrento, o autor acredita que a temática que cerca seus livros, na verdade, é a liberdade. “Apesar do terror das guerras, o mundo se tornou mais livre e mais democrático no decorrer desse período.” O terceiro volume da saga será lançado em 16 de setembro e está disponível para pré-venda.
Se, por um lado, não há caminho simples para cair nas graças do público, por outro, jovens autores podem se beneficiar da sede do mercado por novos talentos. “O setor editorial está cheio de pessoas procurando o próximo Ken Follett, todos querem encontrar o novo autor que vai vender milhões de exemplares”, diz, demonstrando a tal autoconfiança. “O difícil é escrever algo bom, mas, se você conseguir, o mercado vai recebê-lo de braços abertos.”
Para ser bom e abraçado pelo mercado, segundo ele, não é preciso apresentar uma trama rocambolesca com linguagem rebuscada. Criticado por ser simplista em suas obras, o autor não se ofende. “Não estou interessado em fazer experimentos com o formato do romance, não quero que as pessoas reparem no meu estilo, que deve ser invisível, quero que elas acompanhem a história. Quando me dizem que escrevo de modo simples, me sinto elogiado.”
Neste sábado, o escritor participa da mesa “Fatos e Pontos de Vista”, na Bienal do Livro de São Paulo, às 10h30, no Anhembi.
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O senhor vendeu 150 milhões de livros no mundo. Qual o segredo do seu sucesso? O importante é que os leitores compartilhem as emoções dos personagens. Quando eles estão tristes, os leitores devem ficar tristes, quando os personagens têm medo, os leitores devem sentir medo. Esse é o milagre da literatura: ao ler um livro, você sabe que é uma história inventada e que os personagens jamais existiram, mas, mesmo assim, você sente aquelas emoções. Se um autor conseguir provocar essa reação, seus leitores não vão conseguir parar de virar as páginas de seus livros. E, quando eles terminarem de ler a obra, vão indicá-la para os amigos. É assim que vendemos livros.
Os Pilares da Terra é um calhamaço de 900 páginas sobre a construção de uma catedral no século XII, mas não parece ser entediante para os seus leitores. Quais são os elementos que fazem um livro ser lido vorazmente? Em Os Pilares da Terra, a construção da igreja faz parte da vida dos personagens. Seus medos e esperanças estão intimamente ligados a essa obra, então,quando algo dá errado durante a construção, há consequências também em suas vidas. Como leitores, nós nos identificamos com isso. Em um romance, não importa se é retratada a criação de uma catedral, uma guerra ou uma eleição, mas sim se essas coisas fazem parte do dia a dia de alguém.
O senhor começou sua carreira como escritor porque teve problemas financeiros enquanto era jornalista. Aconselharia alguém a se tornar escritor atualmente? Se uma pessoa escreve bem, não é difícil ganhar a vida com livros. O mercado editorial está cheio de pessoas procurando o próximo Ken Follett, todos querem encontrar o novo autor que vai vender milhões de exemplares. O difícil é escrever algo bom, mas, se você conseguir, o mercado vai recebê-lo de braços abertos. Se uma pessoa tiver talento para escrever ficção, não vejo por que não se dedicar a isso, é uma vida que vale a pena, é divertido.
O senhor já foi criticado por escrever de modo simples e direto e por seguir o que algumas pessoas dizem ser uma fórmula do best-seller. Como responde a isso? Na verdade, acho bom escrever de uma forma simples e direta. Meu primeiro dever como autor é ser entendido. Há escritores que pensam que seus leitores devem ter certo trabalho para ler. Respeito essa opinião, mas não é assim que eu trabalho. Não quero que as pessoas reparem no meu estilo, que deve ser invisível, quero que elas acompanhem a história. Também não estou interessado em fazer experimentos com o formato do romance, como começar pelo fim ou escrever um livro sem ter uma história ou mudar a ordem das frases. Quando me dizem que escrevo de modo simples, me sinto elogiado. Trabalho com a forma tradicional dos romancistas do século XIX, como Charles Dickens, George Eliot, Jane Austen, Honoré de Balzac, Stendhal e Liév Tolstói. Eles tinham grandes personagens, um enredo, um começo e um final. É o que gosto de fazer e o que as pessoas gostam de ler.
Há uma fórmula para se escrever best-sellers? Não. Nunca me disseram que eu precisava mostrar momentos sangrentos ou sexo em meus livros, porque os próprios editores não acreditam na existência de uma fórmula para escrever obras que vendam. Um exemplo é meu próprio livro,Os Pilares da Terra. Onde está o sexo, o sangue, os shoppings? Ele vai de encontro a todos os pressupostos simplistas sobre uma fórmula do best-seller e ainda assim foi um grande sucesso editorial. Entre as décadas de 1960 e 1970, as pessoas compravam livros quando acreditavam que haveria sexo nas histórias, mas isso mudou. Se elas querem pornografia agora, vão procurar em outros lugares, não em uma livraria.
O senhor demonstra saber que é um bom autor de ficção, como já afirmou em entrevistas. E também foge à imagem comum do escritor tímido e desajustado. Autoconfiança é importante para um autor? Sim, você precisa acreditar que vão querer ler e gastar dinheiro com algo que você inventou. Isso vai além da confiança, chega a ser arrogância, na verdade. Mas ela é necessária para que você consiga terminar de escrever o livro. A imagem do escritor, no entanto, ainda está ligada a pessoas introspectivas, que sentem raiva e precisam desabafar nos livros. Quando eu era mais novo, meu agente chegou a me dizer que meu único problema como escritor era que eu não tinha uma alma torturada. O que é verdade, sou bem feliz.
Antes de começar a escrever, o senhor pesquisa e planeja a história. Quanto tempo demora para terminar uma obra? Depende do tamanho do livro. Eternidade por um Fio, por exemplo, demorou dois anos para ficar pronto. Divido meu trabalho em três partes: planejamento e pesquisa, escrita e reescrita.
Sua trilogia retrata as duas guerras mundiais e a Guerra Fria. Como foi a experiência de escrever sobre um período tão sangrento da nossa história? De fato, foi uma época difícil, com muitas mortes. Mas, agora que eu terminei a trilogia, fico com a impressão de que o tema dos livros era a liberdade. Apesar do terror das guerras, o mundo se tornou mais livre e mais democrático no decorrer desse período. No começo da minha história, em 1914, as mulheres não podiam votar em nenhum país, ou seja, metade do mundo estava de fora da tomada de grandes decisões. A luta das mulheres ainda não terminou, mas a situação mudou bastante. Os americanos negros também são um exemplo: eles lutavam por direitos básicos e eram mortos por isso. E acabaram vencendo.
O senhor está escrevendo outro romance histórico. O que pode dizer sobre ele? Quando será lançado? Ele se passa na cidade ficcional de Kingsbridge, a mesma retratada em Os Pilares da Terra Mundo sem Fim. A história acontece no século XVI, durante o reinado da Rainha Elizabeth I e trata de espionagem. Naquela época, muitas pessoas queriam assassinar a rainha, então ela criou o serviço secreto britânico para impedir que isso acontecesse. O livro está previsto para 2017.
Em que pé está a adaptação para a televisão da trilogia O Século? O senhor está envolvido com a produção? Está nos primeiros passos, sendo desenvolvido pela Sony e a rede americana ABC e deve estrear em fevereiro de 2016. A roteirista, Ann Peacock, está trabalhando no script. Não costumo me envolver muito com esses projetos, leio os roteiros e dou minha sugestão, quando pedem. Mas gosto de saber o que está acontecendo, sim, visito os sets de gravação, acompanho a escalação dos atores.