Assustados, PSDB e PT espalham a lenda de que a ascensão de Marina Silva deriva da comoção gerada pela morte trágica de Eduardo Campos. Eles sabem que é outra coisa. No Brasil, os eleitores procuram administradores, gerentes, quando se trata de disputas municipais e estaduais. Nas eleições presidenciais, contudo, buscam a personificação de uma utopia possível. FHC e Lula chegaram ao Planalto nas asas de grandes ambições. Hoje, é Marina quem aparece como a representação de uma ruptura profunda.
A utopia associada a FHC pode ser sintetizada pelas ideias de estabilização e modernização. Desde o segundo mandato tucano, porém, o PSDB abandonou a trilha das reformas e, sob o fogo da crítica petista, borrou o horizonte utópico com as cores cinzentas da "capacidade gerencial". As candidaturas de Alckmin (2006) e Serra (2010) não foram previsíveis fracassos eleitorais, mas inegáveis desastres políticos. Aécio Neves é um herdeiro da perda de rumo e, mesmo que tateie na direção correta, jamais conseguiu atravessar a fronteira do eleitorado tucano para seduzir a maioria desencantada com o lulopetismo.
A utopia associada a Lula pode ser sintetizada pelas ideias de igualdade e justiça social. Inflado pelos ventos de popa da economia mundial, o potencial utópico do lulopetismo durou um mandato mais que o dos tucanos, mas encerrou-se no quadriênio de Dilma Rousseff. As suas reformas sociais praticamente esgotaram-se nas políticas de crédito e transferência de renda que ajudaram a estimular o boom de consumo popular. Hoje, num sentido fundamental, o PT converteu-se na nova Arena: o partido cuja força emana do controle da máquina pública.
O mapa das intenções de voto na candidata-presidente evidencia a regressão política do partido que traçou seu caminho para o poder entre os eleitores de alta e média escolaridade dos grandes centros urbanos.
Marina aparece como representação da terceira utopia, tão nitidamente expressa nas Jornadas de Junho de 2013. O mapa do voto "marinista", bastante inclinado na direção do Centro-Sul e das maiores cidades, revela que a vontade majoritária de mudança tende a se coagular em torno dela. A "nova política", dístico um tanto misterioso da candidata, traduz a ambição de recuperação do Estado como coisa pública, isto é, como instrumento dos cidadãos para a geração de bens públicos.
A ruptura proposta por Marina aninha-se na palha de um paradoxo. De um lado, a candidata investe contra o PT e o PSDB, apresentando-os como facetas polares da mesma "velha ordem" que deve ser superada. De outro, ensaia um estranho convite para que os dois partidos rivais ocupem lugares no seu hipotético governo.
FHC e Lula juntos, sob o guarda-chuva de Marina, como sugeriu Eduardo Giannetti, um conselheiro do círculo interno do "marinismo", significaria a repentina abolição, por um mero ato de vontade, das divergências de fundo sobre o Estado, a economia e a sociedade que marcam o debate brasileiro desde o fim da ditadura militar.
O discurso da "terceira via" é, sempre, tão atraente quanto perigoso. Defini-la como a união dos polos políticos tradicionais equivale a dissolver a ideia de mudança no caldo ralo de um falso consenso. As palavras de Giannetti obedeceram, talvez, à finalidade utilitária de rebater a crítica que aponta as carências de uma estrutura partidária sólida e de quadros administrativos experimentados no movimento "marinista".
Contudo, atrás delas, divisa-se o espectro do governo de unidade nacional, recurso ao qual as democracias apelam somente em casos de guerra ou colapso social.
Em princípio, eleições são sobre verossimilhança, não sobre verdade. Uma boa campanha eleitoral é aquela capaz de reduzir a distância entre uma e outra. Por enquanto, a utopia mudancista personificada em Marina circula na esfera da verossimilhança