sábado, 1 de fevereiro de 2014

Número de estrangeiros refugiados no Brasil cresce 150% em um ano

Aumenta número de pessoas refugiadas no Brasil

  • Governo diz que está abrindo portas para novo fluxo migratório; em 2013, 651 pedidos foram aprovados 
Eliane Oliveira e Evandro Éboli - O Globo
 

Familia síria refugiada em São Paulo
Foto: Marcos Alves
Familia síria refugiada em São Paulo Marcos Alves

Até recentemente sem tradição nessa política, o Brasil agora está abrindo suas portas a refugiados do mundo inteiro. O país adotou uma política de acolhimento e está desburocratizando processos de permanência e naturalização de pessoas que saem de seus países à procura de um lugar seguro para viver e trabalhar.

O resultado dessa política humanitária e, ao mesmo tempo, movida por interesses econômicos — há um déficit de 1 milhão de trabalhadores na indústria brasileira —, já pode ser contabilizado. Em 2013, o número de pedidos de refúgio no Brasil mais que dobrou. Foram de 2.087 em 2012 para 5.200 até 15 de dezembro do ano passado — um aumento de quase 150%.

Dados da Secretaria Nacional de Justiça, vinculada ao Ministério da Justiça, mostram que, de janeiro a 15 de dezembro do ano passado, 651 solicitações foram aprovadas. Deste total, 284 atenderam a refugiados sírios, 106 a cidadãos da República Democrática do Congo e 88 a colombianos.

O secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, afirmou que a presença de sírios é a grande novidade do ano passado:

— E os sírios já têm relação de tradição com o Brasil. Seus antepassados foram migrantes aqui, e eles têm boas relações com a comunidade árabe.

Ele explicou a razão de tantos estrangeiros buscarem o Brasil:

— O Brasil virou um espaço de proteção. Ao contrário da Europa, o Brasil está abrindo suas portas para o novo fluxo migratório. Estamos entre as maiores economias do mundo, exercemos liderança internacional e viramos um destino para os que sofrem perseguições dos mais variados tipos, seja religiosa, de raça ou de grupos sociais.

É pela internet que o sírio Yasser Said, de 40 anos, obtém informações do país que deixou para trás. Por meio dela, recebeu a notícia de que o presidente Bashar al-Assad poderá disputar a reeleição este ano, o que o deixou preocupado:

— Eu não pretendo voltar enquanto ele estiver no poder.

Abandono do governo federal

Em setembro de 2012, o engenheiro foi capturado na fronteira do Líbano com a Síria após ser confundido com um procurado pelo governo sírio. Ficou cerca de três meses em uma prisão do serviço de inteligência militar, onde foi torturado, passou fome e foi proibido de usar o banheiro.

Depois, acabou libertado graças a uma troca de prisioneiros.

— Eu não sabia se ele estava vivo ou morto. Eu só soube que estava vivo depois que ele saiu da prisão — contou Amira Said, mulher de Yasser.

A família síria chegou a São Paulo em dezembro do ano passado e, sem ter para onde ir, permanece na casa de um conterrâneo. A família já ingressou com pedido de visto de refugiado, que só deve sair em julho deste ano. Até lá, como turistas, todos podem permanecer até três meses no país.

— Os refugiados sírios no Brasil foram abandonados pelo governo federal depois que receberam o visto de turista. Eles não têm o que comer e não têm onde dormir. Nós não recebemos apoio do governo federal nos últimos três anos — critica o comerciante sírio Amer Masarani, de 43 anos, que tem se esforçado para receber seus conterrâneos na região central da capital paulista.

Segundo Masarani, tem chegado à capital paulista, desde o início da guerra civil síria, muitas famílias que não têm para onde ir. Elas têm sobrevivido graças à ajuda da comunidade síria e de pessoas de outras religiões, como católicos e budistas.

Entre os 5.200 pedidos de refúgio, 1.860 são de trabalhadores de Bangladesh, na Ásia, interessados em emprego nos frigoríficos de exportação de carnes para países muçulmanos. À exceção de um único caso, todas as solicitações foram indeferidas, uma vez que a situação dessas pessoas é diferente do que prevê a ONU para a concessão de visto de permanência.

Especialista diz que empresas têm preconceito

Entre as medidas tomadas pelo governo para facilitar o ingresso dessas pessoas, destaca-se a exclusão do termo “refugiado” da cédula de identidade do estrangeiro. O termo criava dificuldades, por exemplo, no momento de se conseguir trabalho. Era uma demanda histórica dos organismos que defendem os refugiados. O governo diz que 2013 foi o ano em que o Brasil se firmou como o destino de migrantes de diferentes regiões do mundo.

— Hoje, uma das ambições dos refugiados é vir para o Brasil, um país pacífico, multicultural que, no entanto, ainda é um dos mais fechados do mundo na área de imigração. O refugiado não é bandido, e pode trabalhar como qualquer brasileiro — disse João Marques, voluntário do Programa de Apoio para Recolocação dos Refugiados (Parr) e fundador da Emdoc, consultoria especializada em mobilidade global.

Para Marques, apesar das ações do governo brasileiro, ainda existe muito preconceito por parte das empresas brasileiras em relação a trabalhadores refugiados. Ele destacou que, de forma geral, são pessoas bem qualificadas profissionalmente. No entanto, completou, a contratação de alguém nessas condições pode levar meses.

— O processo para conseguir emprego no Brasil é muito longo para quem precisa sobreviver. Quando cheguei, tive de esperar quatro meses para poder trabalhar — disse X, 45 anos, refugiado político do Congo que não quis ser identificado.

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