José Dirceu, posto em liberdade esta semana, pela segunda turma do STF – não obstante duas condenações em segundo grau e outros processos em curso na Lava Jato -, é mais importante para o destino das esquerdas no Brasil que o próprio Lula.
Lula é um símbolo, o operário no poder; Dirceu, um líder, o cérebro por trás do símbolo, que Lula chamava de “capitão do time”.
É ele o que, no jargão das esquerdas, se chama de “quadro político”, militante que passou por todos os estágios de formação e provação que, na visão revolucionária, são essenciais para produzir um líder, na acepção plena da palavra.
Dirceu, já nos preâmbulos de 64, figurava como uma das principais lideranças estudantis. Preso, na sequência da instalação do regime militar, foi libertado em 1969, com outros companheiros, em troca do embaixador americano Charles Burke Elbrick, sequestrado por um grupo de guerrilheiros de esquerda.
Foi inicialmente para o México e, em seguida, Cuba. Lá, deu início a sua graduação de quadro esquerdista.
Participou de treinamentos de guerrilha, que previa inclusive testes de resistência a interrogatórios e tortura, e acabou migrando para a área em que se tornou especialista: a de inteligência, mais especificamente espionagem.
Tornou-se agente de informação cubano, cargo que não prevê demissão ou aposentadoria. A carreira finda no cemitério.
Em seu exílio, conseguiu o que a bem poucos refugiados era (e é) dado: aproximar-se da cúpula do governo cubano, tornando-se amigo e interlocutor de Fidel Castro. Nada menos.
Voltou ao Brasil clandestinamente em 1975, já submetido a uma operação plástica que lhe deixou o nariz adunco e os olhos puxados, assumindo a identidade falsa de Carlos Henrique Gouveia de Melo. Foi residir em Cruzeiro do Oeste (PR), onde se casou sem revelar à esposa sua verdadeira identidade, o que só viria a ocorrer a partir de 1979, com a aprovação da anistia.
Não é um perfil qualquer, como se vê. Ele precede Lula, na gênese e construção do Foro de São Paulo, entidade que, desde 1990, reúne partidos e associações de esquerda da América Latina e mantém interlocução estreita com o socialismo internacional.
A partir do Foro, e sob sua visão estratégica, começaram a ser eleitos esquerdistas para os governos do continente, lastreados no amplo domínio, estabelecido ainda ao tempo do regime militar, da esfera cultural e midiática, a que se associaram facções do crime organizado – tidas como indispensáveis à ação revolucionária – e megaempresários inescrupulosos, como viria a revelar a Lava Jato.
Dirceu, porém, não contava com o imponderável: a tragédia administrativa de Dilma Roussef (que jogou a economia na lona), a Lava Jato e o renascimento do pensamento conservador, via internet.
Ele está por trás da nomeação de alguns ministros do STF: Luís Fux (a quem chama de traidor) e Antonio Dias Toffoli, que foi seu assessor e lhe tem sido fiel desde o Mensalão.
Conta ainda com Lewandowski, fiel a Lula, e Gilmar Mendes, que, nas palavras do deputado petista Wadih Damous, é hoje aliado do PT. Está livre, não se sabe por quanto tempo, mas sabe-se que não o desperdiçará. Já está em campo, em busca de reverter o jogo.
Anuncia para breve a publicação de suas memórias e, ao voltar para o xadrez, informa que de lá continuará a comandar a revolução. Diz que a cadeia é um ótimo lugar para se fazer política. Lá esteve como preso político e como político preso. Sabe do que fala.
Ruy Fabiano é jornalista
Com Blog do Noblat, Veja