“Expropriação”, “revogação de contratos” e “limite na expansão do gasto com a dívida”. Se a intenção de Ciro Gomes era assustar o mercado, ele está de parabéns. O pré-candidato do PDT à Presidência da República caprichou nos últimos dias. Já havia defendido a revogação da lei que estabelece um teto para os gastos públicos, a mudança da política de preços da Petrobras e o aumento de impostos para transações financeiras (veja detalhes na pág. ao lado). No último dia 21, afirmou à revista Americas Quarterly, lida pela fina flor do empresariado americano: “Para ser claro com o investidor estrangeiro, estou anunciando e repetirei: todos os campos de petróleo brasileiros que foram vendidos no exterior após o golpe e após a revogação da Lei de Partilha serão expropriados, com a devida compensação”. Na quinta-feira 28, em encontro organizado pela empresa de investimentos XP, Ciro manteve o tom: diante de uma seleta plateia de clientes da consultoria, repetiu ipsis litteris tudo o que disse ultimamente, inclusive as propostas de rompimento de contratos na área de petróleo e de redução do gasto com o pagamento da dívida.
Em se tratando de discurso de candidato, há sempre método por trás do devaneio. Com sua retórica antimercado, Ciro não almeja perder votos, mas conquistá-los na outra ponta. Em terceiro lugar na última pesquisa do Datafolha (ele aparece com 10% das intenções de voto), o pedetista concluiu que, para chegar ao segundo turno, terá de radicalizar o discurso, sobretudo o econômico. A ideia é conquistar o segmento mais ideológico da esquerda, formado por eleitores de classe média alta, que vivem em áreas urbanas, têm ensino médio ou universitário completos, são eleitores históricos do PT e do PSOL e, naturalmente, abominam a ideia de ter Jair Bolsonaro caminhando entre as emas do Palácio da Alvorada.
Números que aterrissaram na mesa do pré-candidato mostram que esse nicho representa 15% do eleitorado. Capturar um pedaço desse grupo poderia dobrar suas intenções de voto — parte do ganho viria de eleitores que hoje afirmam votar em Marina Silva (Rede) e de petistas que já não contam com o ex-presidente Lula no páreo. A estratégia de voltar as baterias para esse segmento não tem o apoio unânime de assessores. Para alguns, em vez de tentar conquistar um nicho, Ciro deveria se aproximar da massa de eleitores de Lula, com menos renda e escolaridade, de forma a “ganhar musculatura” para avançar. O pedetista, entretanto, está convicto de que trilha o caminho certo. E, ao contrário do que fazem outros candidatos, na sua campanha quem dá o norte é ele mesmo.
Avaliar qual é o real norte de Ciro, descontada a estratégia de sedução da esquerda, não é uma tarefa que possa ser cumprida analisando-se apenas o seu histórico. Em seu sétimo partido (já passou por PDS, PMDB, PSDB, PPS, PSB e Pros), Ciro foi um prefeito e um governador cuidadoso com as finanças públicas. Nos cinco meses em que comandou o Ministério da Fazenda, período decisivo de implantação do Plano Real, deu conta do recado. Não quebrou contratos nem revogou acordos, e promoveu medidas de abertura da economia — incluindo a redução de alíquotas de importação de uma vasta lista de produtos.
Com essa biografia, pode-se especular se os planos anunciados pelo pré-candidato não passam de discurso de campanha e serão deixados de lado caso, e tão logo, venha a se tornar presidente. Mas o que inquieta parte do empresariado é que a saída de Ciro do Ministério da Fazenda se deu há longínquos 24 anos, e foi seguida pelo rompimento com o PSDB, depois do que o pedetista passou a encampar um discurso contrário a tudo o que dissera e fizera antes. Junte-se a isso o fato de que o político nunca foi testado em temas para os quais propõe hoje soluções heterodoxas, como a realização de um plebiscito para a reforma da Previdência Social. Na questão energética, também não se pode afirmar se ele manteria a rota liberal dos tempos de ministro ou encamparia o discurso nacionalista que tem vocalizado nas últimas duas décadas, e que inclui o fechamento do setor de petróleo à concorrência externa.
Na última semana, Ciro falou em “tirar os bancos estatais desse cartel que, no ano passado, ganhou 36 bilhões de reais só com tarifas” (o número real é 27 bilhões). Arrematou dizendo que o Brasil precisava de “inovação institucional” e de “um Banco Central que cumpra sua tarefa de descartelização”. A frase pode significar muita coisa, inclusive coisa boa, sobretudo na proposta de “inovação institucional”, mas, para representantes do setor financeiro, as palavras soaram como anúncio do desejo de Ciro de usar bancos públicos como forma de controle dos juros.
Se eleito, Ciro não seria o primeiro presidente a defender o intervencionismo bancário. Em 2012, Dilma Rousseff pôs em prática tese semelhante ao usar o Banco do Brasil e a Caixa Econômica como “motores do crescimento” (que ficou em pífios 2% naquele ano — a metade em relação ao de 2011). Aos olhos de investidores, o candidato do PDT também ressuscita o “fantasma Dilma” quando fala em defender uma “indústria forte”. Segundo Ciro, sua equipe prepara um “projeto nacional de desenvolvimento” com o objetivo de reativar as indústrias farmacêutica, de máquinas e equipamentos e até de aparelhos de telefone celular.
Ciro não diz qual será o remédio, mas economistas ouvidos por VEJA enxergam nesse discurso uma releitura da política industrial de desoneração de impostos e reserva de mercado implementada pela ex-presidente — e em grande parte responsável pelo atual rombo fiscal. “É a fórmula do abismo”, opina a economista e ex-tucana Elena Landau. Com sua língua solta e seu temperamento explosivo, Ciro Gomes nunca foi famoso pela delicadeza do seu francês. Mas é certo que causou desconfiança nessa entidade obscura chamada “mercado financeiro”, e não se sabe se agradou aos ouvidos dessa esquerda fluida que quer conquistar.
Roberta Paduan, Veja