O STF ficou mais difícil de entender. Ou mais fácil. O ex-ministro José Dirceu é reincidente específico. Já foi condenado pelo mesmo crime no Mensalão e na Lava-Jato. O que leva o ministro Dias Toffoli a soltá-lo em um habeas corpus não pedido pela defesa? O ministro Ricardo Lewandowski interferiu numa área de competência do Executivo às vésperas do recesso, repetindo manobra já usada.
No dia 18 de dezembro de 2017, Lewandowski suspendeu a MP que adiava os aumentos do funcionalismo. O argumento do ministro não poderia ser menos jurídico: “Não se mostra razoável suspender um reajuste de vencimentos que, até cerca de um ano atrás, foi enfaticamente defendido por dois ministros e o presidente da República.” Ele é livre para não gostar de uma mudança de opinião do governo, mas isso não é base para a liminar. Como tomou a decisão um pouco antes do recesso, o governo teve que dar o aumento e a liminar virou decisão definitiva. Agora, em nova interferência em área do Executivo, proibiu a venda de qualquer estatal.
Na terça-feira, na 2ª Turma do STF, o ministro Dias Toffoli não poderia simplesmente acolher o argumento da defesa do ex-ministro José Dirceu porque ela confrontava a condenação em segunda instância. Toffolli, então, deu o que a defesa não pedira: habeas corpus de ofício, afirmando que havia “plausibilidade” no recurso sobre a dosimetria da pena. Ou seja, como pode ser que o STJ considere a pena alta, apesar de ele ter sido condenado em dois escândalos pelo mesmo crime, ficará em casa.
Quando Toffoli foi nomeado houve um debate entre especialistas sobre se ele estava ou não impedido de julgar o Mensalão. Pareciam mais convincentes os argumentos dos que consideravam que sim. Afinal, fora advogado do PT nas campanhas eleitorais de 1998, 2002 e 2006, depois trabalhara diretamente com José Dirceu, que como chefe da Casa Civil fazia a articulação política. O ex-ministro estava sendo julgado, e o que se discutia era exatamente caixa 2 nas campanhas do partido e a compra de apoio político no Congresso. Toffoli não se declarou impedido.
Na terça-feira, ele conduziu o voto dele na sessão da 2ª Turma que libertou José Dirceu. Votou também a favor do relator Gilmar Mendes no trancamento da ação contra o deputado tucano Fernando Capez. Alguém pode considerar que isso mostra isenção já que trata petistas e tucanos com a mesma régua. O problema é que um dos seus auxiliares até recentemente era o irmão de Capez.
Ele não é o único a não entender as regras de impedimento. O ministro Gilmar Mendes já foi várias vezes criticado pelo mesmo motivo. Talvez só saiamos desse impasse importando do futebol a estratégia de bandeirinhas. O que diriam os bandeiras das constantes reuniões do ministro Gilmar Mendes com integrantes do governo e parlamentares investigados da Lava-Jato? Impedimento.
Há quem diga, inclusive no STF, que tudo é culpa da presidente Cármen Lúcia porque ela não pautou as ações diretas de inconstitucionalidades (ADI) que estão nas mãos do ministro Marco Aurélio e poderiam definir o mérito da prisão após condenação em 2ª instância. Recapitulando: de 1941 até 2009 vigorou o entendimento da prisão após a confirmação da sentença por órgão colegiado. Em 2009, o STF reformou essa decisão num voto do ministro Eros Grau. Em 2016, ela foi discutida três vezes no Supremo — em um habeas corpus, em uma negativa de cautelar, e em um recurso extraordinário, relatado pelo ministro Teori Zavascki. Sempre foi a favor da prisão. Essa última tinha repercussão geral, ou seja, era vinculante. Os derrotados querem que o assunto seja votado até que um dia vençam. Em setembro, a ministra Cármen Lúcia sai da presidência e virá exatamente Dias Toffoli. Os condenados por corrupção têm esperança de dias melhores.
João Claudio Genu, do PP, é um reincidente específico também. Condenado no Mensalão e na Lava-Jato. Só na Lava-Jato ele já foi condenado 11 vezes. Foi solto. Talvez por seu caso ter sido julgado no mesmo dia de Dirceu, argumenta um especialista tentando achar alguma coerência no Supremo.
O país vive uma crise grave e múltipla. O Supremo com seus votos, suas contradições, com a agenda de alguns dos ministros, está virando parte da crise, em vez de ser solução.
O Globo