Tábata Viapiana, IstoE
O momento mais agudo da crise que, por muito pouco, não apeou o presidente Michel Temer do poder se consumou quando vieram à baila as delações premiadas dos executivos da JBS, incluindo os irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da empresa, e os ex-diretores Ricardo Saud e Francisco de Assis e Silva. Apresentada na última semana, a denúncia do Ministério Público Federal contra o ex-procurador da República Marcello Miller por corrupção passiva, aceita pela Justiça, expôs as vísceras de uma articulação destinada a destituir o presidente da República do cargo. Segundo a acusação, Marcello Miller, na condição de procurador da República, auxiliado por Esther Flesch, então sócia do escritório Trench Rossi Watanabe (TRW), teria aceitado propina de R$ 700 mil para orientar os executivos da JBS a celebrar um acordo de confidencialidade com a Procuradoria-Geral da República, que posteriormente resultou nas colaborações premiadas, assinadas em maio de 2017.
Jogo duplo
Entre fevereiro do ano passado, data em que anunciou sua saída do MPF, e 5 de abril, quando foi exonerado do cargo, Miller orientou Joesley e Wesley Batista na negociação dos acordos. Segundo o MPF, Miller, agora réu, se encontrou inúmeras vezes com os executivos e prestou a eles aconselhamentos jurídicos, uma postura totalmente em desalinho com a função de um procurador da República. Na prática, Miller fez jogo duplo ou “serviu a dois senhores”, como descreveu o MPF na denúncia: ele seguiu atuando no Ministério Público enquanto auxiliava empresários corruptos que queriam escapar da Justiça. Para receber a propina de R$ 700 mil, Miller teria contado com a ajuda de Esther Flesch, segundo a denúncia. De acordo com o MPF, eles teriam usado o escritório Trench Rossi Watanabe para intermediar os repasses, sem o conhecimento dos demais sócios. A defesa de Esther Flesch disse ter recebido com “profunda indignação” a notícia. “Fica claro que Esther funcionou como inocente útil que precisou ser denunciada para que desse certo o projeto acusatório contra Marcelo Miller”.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, já pediu a rescisão dos acordos ao apontar omissão e má-fé dos delatores
Conforme o MPF, os executivos da JBS procuraram Marcello Miller justamente com o intuito de que ele facilitasse a assinatura dos acordos de colaboração premiada. Na época, Miller integrava o grupo de trabalho do então Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, e transitava com desenvoltura pelos corredores da PGR em Brasília. “Era a pessoa certa para, valendo-se do cargo, orientar juridicamente a interlocução entre corruptores e seus colegas da PGR e minutar documentos, inclusive porque tinha livre acesso aos membros integrantes do citado grupo de trabalho da Lava Jato e poderia interferir, pela sua experiência no assunto e pela respeitabilidade até então existente entre seus pares, nas decisões adotadas em relação a acordos de colaboração”, afirmou o Ministério Público. Em nota, Joesley negou a prática de crime a ele imputada. “O empresário nunca ofereceu vantagem indevida a Marcelo Miller”.
Mancha na história
A Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, já pediu a rescisão dos acordos e apontou “omissão e má-fé” dos delatores. A decisão será do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal. Recebidas inicialmente como uma bomba capaz de implodir a República, as delações premiadas da JBS acabaram se tornando uma mácula na reputação de Rodrigo Janot à frente da PGR, que a história não terá o condão de remover.