A possibilidade de cobrança de 40% do valor dos procedimentos médicos dos usuários de planos de saúde preocupa as entidades de defesa do consumidor. As novas regras para franquia e coparticipação da Agência Nacional Saúde Suplementar (ANS), publicadas hoje no Diário Oficial da União, limitam a cobrança extra ao valor da mensalidade. Ou seja, quem tem um plano individual com mensalidade de R$ 500 pode pagar por mês até o mesmo valor de franquia e coparticipação, o que pode resultar num pagamento mensal à operadora de mil reais.
Para Paulo Miguel, diretor executivo do Procon-SP, a expansão do limite de coparticipação de 30% para 40% é absurda:
— Queria saber se a ANS fez alguma avaliação sobre a capacidade de reserva financeira dos usuários de planos de saúde para saber se eles têm condição de arcar com esses custos? Esse percentual é absurdo. O governo muda regras de cartão de crédito e cheque especial dizendo que quer diminuir o endividamento e empurra goela abaixo essas novas normas de plano de saúde que podem deixar o consumidor endividado de vez.
Segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), não há justificativa técnica para um percentual de coparticipação de 40%.
— O dobro da mensalidade é muita coisa, mesmo com o limitador anual. A pessoa quando contrata um plano de saúde já escolhe um de mensalidade máxima que consegue pagar sem comprometer suas outras prioridades. E ela não vai saber com clareza que aquele plano pude custar em um ano inteiro o dobro do valor contratado — ressalta a advogada Ana Carolina Navarrete, pesquisadora em Saúde do Idec.
Miguel e Ana Carolina também temem que o alto percentual de coparticipação nos procedimentos possam levar a redução do cuidado da saúde pelo consumidor.
— A pessoa que já está pagando franquia de procedimentos passados vai fazer como se precisar usar o plano novamente? — questiona a advogada do Idec.
Ana Carolina ressalta ainda o fato de a ANS não ter estabelecido regras para a forma de comunicar ao usuário do plano sobre as normas de cobrança de franquia e coparticipação:
— A ANS não se preocupou em dispor sobre regras de publicidade para esses planos que deixem claro o seu potencial de endividamento. A regulação ainda permite a cobrança de procedimentos de urgências e emergências.
O advogado especialista em direitos à saúde, Rafael Robba, concorda, e acrescenta que as operadoras precisam transmitir de forma clara e transparente, tanto na propaganda, quando no momento pré-contratual, quais são os valores aos quais o consumidor estará sujeito ao optar por um plano com franquia, com coparticipação ou sem tais mecanismos.
— É preciso que as operadoras transmitam de forma muito adequada esses novos parâmetros para que o consumidor entenda ao que estará sujeito e, assim, faça uma escolha consciente do que melhor atenda a seu perfil.
Robba ressalta que essa transparência não deve se limitar ao pré-contratual, mas é essencial para o momento da utilização do plano, já que a coparticipação, por exemplo, é um percentual do valor que o plano de saúde paga pelo procedimento ao prestador de serviço:
— Hoje, a gente não sabe quais são esses valores, quanto a operadora paga para o hospital ou para o médico pelo serviço que está sendo prestado ao usuário. Precisam dar transparência a esses valores, para que o consumidor saiba exatamente o que ele vai pagar quando faz um exame, quando vai a uma consulta. Essa questão da informação é muito sensível e é algo que a ANS precisa fiscalizar e punir os casos em que esses dados não são fornecidos ao cliente.
O advogado acrescenta que a ANS precisa adotar mecanismos para que os planos sem coparticipação e franquia não sumam do mercado, como aconteceu com os planos individuais e familiares.
Paulo Miguel também critica a cobrança em procedimentos de urgência e emergência e reforça a falta de participação das entidades de defesa do consumidor na formulação das regras de coparticipação e franquia:
— Não fomos ouvidos em momento algum. Criadas para proteger o consumidor, as agências reguladoras inverteram o seu papel.
Para a advogada do Idec, a forma como a ANS tratou da matéria revela que os instrumentos de participação social da agência são mecanismos pró-forma, que não proporcionam a efetiva consideração das demandas dos usuários.
Luciana Casemiro, O Globo