sexta-feira, 29 de junho de 2018

"Educação sobre pedras", por Fernando Gabeira

Considerada a Riviera russa, Sochi é um destino de férias essencial no país. Putin costuma passar aqui alguns dias do verão. Minha primeira manhã foi para explorar as praias do Mar Negro, uma boa razão para trazer a seleção para cá.

Numa entrevista a uma agência de notícias, o goleiro Alisson afirmou que estava muito feliz por tomar café da manhã diante do mar. Os jogadores brasileiros têm uma praia exclusiva. 

Mas as praias que vi são um pouco diferentes da ideia que temos de praia no Brasil. Elas são mais estreitas, cobertas de pedras. Em alguns lugares, há uma passarela de madeira para facilitar o movimento.

Basicamente, o que difere as praias brasileiras é a supremacia da natureza, daí a importância de uma praia como a do Sancho, em Fernando de Noronha, permanecer intocada.

A supremacia nas praias daqui é a cultura. Predominam os chamados beach clubs, restaurantes muito próximos do mar, alguns até avançando pelas águas, como o Plataforma, nas proximidades do hotel. O que vi de mais parecido no Brasil foram os beach clubs de Jurerê, perto de Florianópolis. Suscitaram um grande debate, mas ainda assim as praias são de areia e muito mais largas.

Nas praias, há extensas estruturas de madeira para proteger do sol os banhistas que não têm barraca.

Os salva-vidas ficam em torres também de madeira e, apesar de não haver grandes ondas, há cartazes mostrando com desenhos como se prestam primeiros socorros aos afogados.

Há um estreito espaço para caminhar entre as lojas, os restaurantes e a praia. Não há vendedores ambulantes. Apenas um carrinho com sucos e, ao longo do caminho, algumas senhoras sentadas, oferecendo pêssegos e figos. Todas são muito discretas. Expõem as frutas em caixinhas de plástico.

No estreito corredor por onde se caminha, as lojas brancas oferecem roupa, souvenires, algumas massagens. São os spas. Em toda parte há oferta de spas.

O Brasil deu sorte ao conseguir Sochi para lugar de treinamento. A Áustria era a primeira da fila. Mas não se classificou. Os alemães analisaram o lugar, mas temiam pela privacidade dos seus treinos. Um temor infundado, uma vez que a polícia monitora até o mar para prevenir espiões.

Embora gosto não se discuta, não posso negar que em termos plásticos as nossas praias são bonitas. Mas aqui tudo parece tão organizado e previsto que a sensação de segurança é mais ampla: as pessoas entram na água sem se preocupar com o que deixam para trás.

Talvez coubesse lembrar João Cabral de Melo Neto no seu “A educação pela pedra”: 

“lições da pedra (de fora para dentro, /cartilha muda), para quem soletrá-la”.

Mas isso é apenas o relato do primeiro dia de observação. Há muito o que conhecer em Sochi. Há um museu da cidade, com fotos dos nativos daqui que participaram da viagem da nave Soyuz 9, e até um museu com as vítimas da repressão stalinista. Não são muitas, é um pequeno museu, mas não custa nada lembrar.

Fala-se também num Sochi Park, é uma espécie de Disneylândia. É difícil visitar um lugar assim, sem filhos e netos. Ainda assim vou arriscar. Em último caso, há um trem para Adler e uma chance de seguir adiante, caso a cidade fique pequena demais.

Não preciso repousar para o próximo jogo, nem o colchão de nosso hotel ameaça a coluna, como parece ter feito com o lateral Marcelo.