NOVA YORK - Ela nunca teve um cargo eletivo. Ela ainda está pagando seu financiamento estudantil. Ela tem 28 anos. "Não esperam que mulheres como eu disputem um cargo eletivo", disse Alexandria Ocasio-Cortéz em um vídeo de sua campanha lançado no mês passado.
Sua vitória na eleição primária do Partido Democrata não era esperada, mas, em uma incrível noite de terça-feira que incendiou Nova York e a política americana, Alexandria, nascida em uma comunidade do Bronx, ativista comunitária e integrante dos Democratas Socialistas da América, derrotou Joseph Crowley, deputado há 19 anos e político forte do Queens que não encarava um rival como ela há 14 anos.
Crowley, que tem duas vezes a idade de Alexandria, era favorito ao lugar de presidente da Câmara se os democratas retomarem o controle da Casa nas eleições legislativas de novembro.
Se Alexandria derrotar o candidato republicano, Anthony Pappas, no distrito predominantemente democrata, ela tomaria o lugar de Elise Stefanik, deputada republicana de Nova York, como a pessoa mais jovem no Congresso (Elise tinha 30 anos quando assumiu o cargo em 2015).
"Eu sou uma líder nesta comunidade, e eu sabia que vivendo aqui, estando aqui, vendo e apoiando as famílias daqui, isso seria possível", disse Alexandria em uma entrevista depois de sua vitória na terça-feira. "Eu sabia que era uma probabilidade distante, mas eu também sabia que estava crescendo. Eu sempre soube que era possível."
Filha de mãe porto-riquenha e de pai nascido no Bronx, Alexandria formou-se em Relações Econômicas e Internacionais na Universidade de Boston, mas trabalhou como garçonete e bartender depois de formada, para ajudar a mãe a complementar a renda que tinha como faxineira e motorista de ônibus, de acordo com o site "The Intercept". Seu pai, um microempresário, morreu há três anos de câncer; depois da morte, sua família lutou contra o despejo do apartamento em que moravam, mas sua mãe e sua avó acabaram se mudando para Flórida.
Durante a faculdade, Alexandria trabalhou para o senador Edward Kennedy, democrata de Massachusetts, em questões relacionadas à imigração, mas logo mudou seu foco para o trabalho comunitário que viria a definir sua candidatura.
Voltando ao Bronx depois de terminar a faculdade, ela começou defendendo a melhora da educação e da alfabetização na infância, abrindo uma editora de livros infantis que buscava descrever seu bairro positivamente. A importância da educação foi instilada nela desde jovem: quando criança, foi enviada para uma escola em Yorktown, no condado de Westchester, por causa da má qualidade das escolas do Bronx.
Ela se voltou para a política nacional quando trabalhou na campanha presidencial de 2016 de Bernie Sanders, senador independente de Vermont, que acabou derrotado por Hillary Clinton nas primárias democratas. Até então, a ideia de um dia concorrer a um cargo eletivo parecia impossível.
"Eu nunca me vi disputando um cargo eletivo", disse Alexandria à revista "New York".
"Desconsiderava essa possibilidade porque sentia que era desconsiderada por ela. Imaginava que o único caminho para concorrer fosse ter acesso a riqueza, influência social, poder, e eu sabia que eu não teria essas coisas."
Se Alexandria se transformou, do dia para noite, no rosto da esperança progressista para derrotar não só os republicanos como também democratas moderados — que a esquerda vê como insuficientemente revoltados contra as políticas de Trump —, seu discurso contra Crowley antecede a onda anti-Trump que alimenta o que muitos veem como uma "onda azul" de vitórias democratas em novembro.
Ela diz que sua decisão de concorrer ao cargo veio após receber um convite da organização progressista Brand New Congress (Congresso novo em folha), logo depois de participar de um protesto contra a exploração petrolífera em uma reserva dos índios sioux, em 2016.
Os pilares de sua campanha foram a defesa de um plano de saúde público para todos, universidades públicas gratuitas e e fim da Agência de Imigração e Alfândega.
Em seu campanha contra Crowley, Alexandria não teve medo de usar questões de raça, gênero, idade e classe. Ela atacou Crowley por receber dinheiro de empresas para a campanha, por não viver no distrito que representa na Câmara (o sistema eleitoral dos EUA é distrital) e por parecer cada vez mais diferente dos eleitores do Bronx e do Queens que ele foi eleito representar.
"Essas comunidades foram tão ignoradas", disse em uma entrevista ao "New York Times" no começo deste mês. "Que outros líderes ou que outras escolhas esta comunidade tem? Para mim, é uma responsabilidade me apresentar por essa comunidade."
Ela se juntou a ativistas em Flint, Michigan, pedindo água potável, e viajou para o fronteira com o México, no fim de semana, para protestar contra a separação de famílias imigrantes.
Como Bernie Sanders, Alexandria rejeitou doações de empresas e dependeu de pequenos doadores. Cerca de 70% dos seus fundos de campanha vieram de doadores individuais que colaboraram com menos de US$ 200.
"Nem todos os democratas são iguais", ela disse em maio, em um vídeo de sua campanha, acrescentando que um democrata que "não envia suas crianças para nossas escolas, não bebe nossa água ou não respira nosso ar possivelmente não pode nos representar".
"Eu espero que seja só o começo", disse Alexandria na festa da vitória na terça-feira. "Que possamos continuar essa organização e o que nós aprendemos."
Na festa, em uma quadra de sinuca do Bronx, ela ainda parecia surpresa com a vitória."Meu Deus! Meu Deus!", dizia com as mãos na boca e os olhos arregalados.
Enquanto mais e mais pessoas chegavam, Alexandria era seguida por uma multidão de repórteres e apoiadores que pediam abraços e selfies.
"Eu espero que isso nos lembre do que o Partido Democrata deveria ser, que é, em primeiro lugar, estar a serviço do povo trabalhador", acrescentou.
Vivian Wang, NYT