Provodnitsa. Nada me atormentava mais antes da viagem do que essa palavra. E nem era pela dificuldade de pronunciar ou escrever. Provodnitsa: a mulher responsável por tomar conta, com rigor quase militar, de cada vagão dos trens da Rússia. Uma espécie de “ferromoça”, mas sem aquele sorriso educado dispensado pela comissária de bordo enquanto oferece uma barrinha de cereais. As provodnitsas apareceram citadas com destaque em todas as pesquisas que fiz antes da viagem. Eram rigorosas. Mais mal-humoradas que os garçons do Bar Lagoa. Só falavam russo. Comiam criancinhas no café da manhã e ursos panda no jantar. Eram ex-agentes da KGB.
Foi assim, com o rabo entre as pernas, que iniciei esta Jornada Transiberiana. E não precisei de mais do que cinco minutos para acabar com qualquer traço de paciência e bom humor que a provodnitsa do meu vagão tinha. O trem nem havia deixado a plataforma, e ela veio na minha direção, firme e decidida. Disparou duas ou três perguntas em russo.
Peguei o celular, abri o aplicativo de tradução e pedi para ela repetir. O aplicativo me deixou na mão, e a tradução saiu completamente sem sentido. Fiz cara de paisagem, e ela bufou.
Entrou então em cena um companheiro de cabine, um senhor na casa dos 60 anos, de terno, gravata e longos cabelos brancos, tipo Pedro de Lara. Sem falar uma palavra, alcançou-me um cardápio e deu a entender que a provodnitsa queria saber qual prato eu queria comer no serviço de bordo. Fiz minha escolha, e a pressão dela (e a minha também) baixou de 18/10 para 12/8. Ufa!
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Por Renato de Alexandrino, O Globo