À medida que o calendário eleitoral avança, e se aproxima o momento do registro de chapas, é natural que cresça a movimentação de pré-candidatos e multipliquem-se conversas sobre possíveis alianças, para ampliar o tempo das legendas no programa eleitoral dito gratuito.
O estranho é que também influencie movimentos de juízes do Supremo Tribunal Federal, a mais elevada Corte do país, que precisa se manter distante de qualquer disputa, inclusive, é claro, as político-eleitorais, em que há preferências pessoais e ideológicas. Afinal, não podem pairar dúvidas sobre decisões do STF, por ser a última instância de mediação de conflitos na sociedade. Ela não pode ser vista como parcial, por ser árbitro.
Com o plenário dividido em duas turmas, aconteceu que em uma, na Segunda, apelidada de “Jardim do Éden”, formou-se uma maioria de “garantistas” — Toffoli, Lewandowski, Gilmar Mendes — contra Edson Fachin, relator da Lava-Jato, e o ministro Celso de Mello funcionando de pêndulo. Já na Primeira, chamada de “Câmara de Gás”, concentram-se “progressistas” — Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, o “garantista” Marco Aurélio Mello e a ministra Rosa Weber, que tem cumprido, como deveria ser regra, a jurisprudência da prisão em segunda instância, decidida por maioria do plenário, embora tenha sido voto vencido.
No centro da crise por que passa a Corte, está esta jurisprudência, que vigorou do Código Penal de 1941 até 2009, quando passou a valer o princípio do “transitado em julgado”, revisto em 2016, pelo correto entendimento da maioria do STF de que, devido aos recursos, esperar a última instância para o cumprimento da pena significa instituir a impunidade por prescrições.
Para efeito do combate à corrupção, passaram a existir dois Supremos, o que é ruim para a própria Corte e o país. Os advogados começaram a buscar formas e maneiras de fazer com que seus pedidos de habeas-corpus caiam no “Jardim do Éden”, sinônimo de liberdade imediata, pelo fato de os “garantistas” não terem o comportamento da ministra Rosa Weber e deixarem de seguir a jurisprudência fixada por maioria de votos.
A situação fica mais tensa porque o principal motivo do aumento das pressões é que o ex-presidente Lula já cumpre pena de forma antecipada, por ter sido condenado por corrupção e lavagem de dinheiro em segunda instância, e quer ser candidato a presidente, mesmo que tecnicamente seja impossível, conforme determina a lei da Ficha Limpa. As esperanças estão todas sobre os “garantistas”, que precisam, para isso, torturar a legislação, a fim de que ela abra exceção a Lula.
A sessão de terça, da Segunda Turma, foi emblemática: Toffoli, Lewandowski e Gilmar Mendes conseguiram libertar João Claudio Genu, ex-tesoureiro do PP, e José Dirceu, ministro de Lula. Fachin, voto vencido, alertou para a jurisprudência da Corte. Fez-se, então, uma acrobacia para justificar o habeas corpus “de ofício”, por decisão própria, com a tecnicalidade da “dosimetria” da pena. O certo fez Fachin, ao remeter ao plenário um novo pedido de habeas corpus para Lula. O ministro já tomara a mesma decisão, anteriormente, diante da divisão entre as Turmas. É o correto. Também para defender o Judiciário, tão fortalecido nos últimos anos por quebrar a tradição aristocrática de ricos e poderosos não serem punidos.