sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Guinada ortodoxa ainda não convence e não basta. Ou: Quem engana quem?

Com Blog Rodrigo Constantino - Veja




Certa vez vi um ex-ministro da Fazenda de um país tropical se gabar de que havia “enganado” o governo que o convidara ao cargo, alegando que suavizava no discurso, para contemporizar com o pensamento de esquerda do então presidente, mas que adotava postura liberal na prática. Fiquei na dúvida, confesso: quem tinha enganado quem?
Afinal, o tal presidente conseguiu o que queria: ser reeleito. Será que ele não sabia o que estava fazendo? Será que não foi ele quem usou o outro para seus interesses, com plena consciência de que estava colocando um liberal para dentro do time de esquerda justamente para fazer o “trabalho sujo”, e depois dispensá-lo quando não fosse mais necessário?
coluna de Eduardo Giannetti na Folha hoje me trouxe à memória esse episódio. Após constatar as mentiras de Dilma na campanha e o estelionato eleitoral, Giannetti levanta a suspeita de que o economista pode ser mais ingênuo do que o político nessa troca estranha, nessa repentina guinada ortodoxa da presidente. Diz ele:
Joaquim Levy tem sólida formação acadêmica e possui comprovada experiência tanto no setor público como no mundo da alta finança. Ocorre que suas ideias sobre política econômica –macro e micro– diferem ao extremo do nacional-desenvolvimentismo e da falta de compromisso com a transparência fiscal que têm sido a marca registrada do atual governo.
A esfinge desafia a argúcia dos analistas: até que ponto ele desfrutará de autonomia para pôr em prática suas ideias? Mudou o governo ou mudará ele? E se um não mudou nem mudará o outro, quantos meses dura o engodo?
Os governantes podem ignorar os limites impostos pela aritmética econômica por algum tempo, mas cedo ou tarde a dura realidade acaba se impondo com suas unhas de bronze. É possível que o medo tenha vencido a ideologia, como em Lula 1. Mas Levy que se cuide: os economistas podem ser mais ingênuos sobre política do que os políticos são ingênuos sobre economia.
Concordo. Além de os economistas serem mais ingênuos, os sérios focam basicamente em uma coisa: resultados. Não fazem questão dos aplausos da plateia, dos créditos, justamente porque nem sempre têm ambições políticas. Por isso podem aceitar até mesmo fazer o “trabalho sujo” em um governo de esquerda que demoniza publicamente a ortodoxia, os banqueiros, o mercado.
Mas devem tomar cuidado se acham que podem enganar o governante de esquerda. Até mesmo Lenin fez concessões ao mercado e abriu brechas com sua Nova Política Econômica. O economista pode emprestar sua racionalidade a um projeto autoritário de poder, nesse caso. Como diz Reinaldo Azevedo em sua coluna hoje no mesmo jornal:
Confesso que o rottweiler que morde canelas se vê tentado a dizer: “Não vá, não, Levy! Fique onde está, Kátia! Eles que se virem!” É que existe a possibilidade efetiva, apesar das dificuldades e da sabotagem da companheirada, de a dupla emprestar racionalidade a um governo que dá ouvidos a “intelectuais” como Boff & Betto; a um governo cuja base difama aqueles que a presidente escala para tirá-la da beira do abismo. Mas aí entra em cena o rottweiler amoroso…
Os afeitos ao tema perceberam a referência à Primeira Epístola aos Coríntios, de Paulo, um texto que trata de princípios –coisa de que o PT é destituído por… princípio! Quero que a presidente Dilma acerte. Até porque me diverte constatar que cada eventual acerto seu evidencia uma mentira da candidata Dilma.
Eis uma das tantas diferenças entre nós e eles: queremos o melhor para o país, mesmo que eles estejam no poder com suas mentiras. Não torcemos pelo “quanto pior, melhor”, e julgamos que engolir um escancarado estelionato eleitoral ainda é melhor do que Dilma insistir nas atrocidades defendidas em sua campanha - o que seria o caos para o país.
O “cavalo de pau” de Dilma é, portanto, bem-vindo, ainda que seja uma guinada ortodoxa incompleta e sob suspeita em termos de durabilidade. Como Marcos Troyjo lembra em sua coluna também na Folha, porém, esse é apenas o primeiro passo, muito tímido ainda. O tamanho do problema é simplesmente enorme, produzido pelo próprio governo Dilma.
BNDES, Petrobras, Caixa, Mercosul, setor elétrico destruído, intervenções arbitrárias, enfim, a quantidade de estripulias foi tanta que indicar um nome de confiança do mercado está longe de ser o suficiente. A mudança terá de ser para valer. A guinada terá que ser completa. Diz Troyjo:
Restaurar confiança e entusiasmo exige, porém, mais do que chamar bons gerentes financeiros. O país é o menos aberto ao comércio e o que apresenta os menores níveis de poupança e investimento entre os dez maiores PIBs do mundo.
Apesar do amplo potencial como economia criativa, o Brasil direciona só cerca de 1% do PIB à inovação. Seu empreendedorismo é constrangido pela vexatória 120ª posição no ranking do Banco Mundial que julga o ambiente de negócios em 189 países.
Não há dúvida de que o segundo governo Dilma deve mover-se rapidamente de volta ao “tripé macroeconômico”. Mas isso não basta. Precisamos de mais cavalos de pau.
As prioridades do país são as reformas estruturais e, ao lado delas, a reorientação da política externa, sobretudo em matéria econômica. O Brasil deve negociar acordos de livre comércio dinâmicos –sem restrições impostas pelo Mercosul.
Resta saber se Dilma irá mesmo por esse caminho. É muito cedo para dizer. Antes, será necessário verificar se o primeiro cavalo de pau se sustenta. Não podemos colocar a carroça na frente dos bois. E não há garantia alguma de que a presidente vá realmente abandonar o controle da economia.
Muitos podem achar que os economistas sérios conseguiram se infiltrar no governo e vão poder, agora, desfazer as besteiras da equipe de Dilma. Mas ela pode estar enganando a todos, inclusive ao ex-presidente Lula, apenas para ganhar tempo e depois reinar absoluta no comando da “nova matriz macroeconômica”. Quem viver, verá…