Os juízes de primeiro grau, que lidam diretamente com os problemas da comunidade, deveriam receber mais poderes e recursos.
Essa prioridade para a primeira instância é recomendada por Alexandre dos Santos Cunha, 38, mestre em Direito Civil e doutor em Fundamentos da Experiência Jurídica pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Para ele, as metas de produtividade dos magistrados, cobradas pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), deveriam ser acompanhadas por indicadores de redução de conflitos e de cumprimentos de sentenças.
Sérgio Lima - 21.nov.2014/Folhapress | ||
Alexandre Cunha, diretor-adjunto do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em Brasília |
"A questão da qualidade da informação é indissociável disso", afirma.
Diretor-adjunto de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Cunha afirma que o Poder Judiciário é bem financiado e que o magistrado brasileiro ganha bem em relação aos dos países desenvolvidos.
A seguir, trechos de entrevista de Alexandre Cunha à Folha, concedida por e-mail.
Folha - Quais as graves deficiências do Judiciário, além da morosidade?
Alexandre dos Santos Cunha - As sucessivas propostas de reforma preocupam-se muito com os tribunais, em especial com os tribunais superiores. Os juízes que estão na ponta precisam receber mais poder e mais recursos, porque são eles que lidam diretamente com os problemas da comunidade.
A imensa maioria dos processos nunca subirá do Primeiro Grau de Jurisdição, nunca será apreciada por qualquer tribunal.
Como avalia a cobrança de metas pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça)?
O monitoramento permanente e a avaliação periódica são absolutamente essenciais. O CNJ pretendeu fazê-lo por meio do estabelecimento de metas, muitas das quais associadas à produtividade dos magistrados.
Essa iniciativa deveria ter sido seguida de outras, especialmente no que diz respeito à qualidade da prestação jurisdicional.
Como melhorar a qualidade no Judiciário?
O Judiciário vem se orientando por um paradigma produtivista. De nada adianta sentenciar e baixar processos se disso não resultar a melhoria do acesso à Justiça, a garantia dos direitos do cidadão e a pacificação das relações sociais.
Os indicadores de produtividade deveriam ser acompanhados por outros, como o impacto na redução dos conflitos sociais ou a taxa de sucesso nas execuções ou cumprimentos de sentença.
Tudo isso é mensurável, embora não com as informações das quais dispomos hoje.
Como tornar efetiva a melhoria de gestão, se as administrações nos tribunais mudam a cada dois anos?
O mandato excessivamente curto das administrações dos tribunais é um problema, principalmente porque os presidentes dos tribunais gozam de amplos poderes de gestão, que não são contrabalançados pela existência de uma burocracia de Estado, capaz de garantir a continuidade das ações.
Quais seriam as alternativas?
Se não é politicamente possível ampliar o mandato dos presidentes dos tribunais, deve-se discutir seus poderes de gestão.
Uma alternativa seria a formação de uma burocracia de Estado responsável pela administração dos tribunais. Outra seria a implantação de estratégias de planejamento de médio e longo prazo, que vinculem os gestores.
Os juízes reclamam dos cortes no orçamento do Judiciário.
O Poder Judiciário brasileiro é bastante bem financiado, consumindo 1,2% do PIB.
Essa participação na renda nacional é substancialmente maior do que a média dos países-membros da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, grupo dos 34 países mais desenvolvidos]. E não vem sendo reduzida, mas gradualmente ampliada.
O magistrado brasileiro ganha bem?
Comparada com outros países, a magistratura brasileira é bem remunerada, mesmo em relação aos Estados Unidos e à Europa Ocidental.
O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Renato Nalini, diz que o auxílio-moradia disfarça um aumento do subsídio que está defasado.
Benefícios extraordinários geram distorções, além de reduzir a transparência das estruturas remuneratórias.
O melhor seria discutir o valor do subsídio. Uma verba indenizatória que não requer prova da despesa que está sendo indenizada nunca é uma notícia alvissareira.
Como o senhor explica o paradoxo entre a alta litigiosidade e o baixo acesso à Justiça?
A quantidade de processos em tramitação no Judiciário brasileiro é muito alta, mas a maior parte dos cidadãos que se sentem lesados em seus direitos não procura resolver judicialmente a questão.
Somos um país que pratica a lesão massiva dos direitos de seus cidadãos, em especial por meio da atuação de alguns grupos econômicos que todo mundo conhece.
Qual é a percepção da sociedade de que o sistema não é efetivo?
O cidadão não compreende a estrutura, o funcionamento e o ritmo do sistema de Justiça, e não parece haver um esforço coordenado para melhorar a comunicação com a sociedade.
O sistema acaba sendo percebido, muitas vezes injustamente, como incompreensível, oneroso e demorado.
Qual a possibilidade de vir a ser questionada a legitimidade do Poder Judiciário?
Se o cidadão não compreende o sistema de Justiça, ou não acredita que este possa resolver adequadamente seus conflitos em tempo razoável, simplesmente perde a confiança e não o procura mais.
Recentemente, a sociedade vem sendo surpreendida com manifestações golpistas. E se alguém acreditar que se pode prescindir do Judiciário? Não podemos brincar com essas coisas.
Dez anos depois da Reforma do Judiciário, quais foram os principais ganhos para o jurisdicionado?
A criação do Conselho Nacional de Justiça e a universalização das defensorias públicas representaram avanços institucionais muito importantes.
A produção de informação sobre o sistema de Justiça ainda é ruim, mas melhorou significativamente.
O diálogo entre academia, sociedade organizada e os Poderes da República vem sendo preservado, e isso é essencial para que possamos continuar avançando no futuro.
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RAIO-X
ALEXANDRE S. CUNHA
- IDADE 38
- CARGO Diretor-adjunto de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia do Ipea
- CARREIRA Bacharel em direito pela Universidade Federal de Pelotas (1999), mestre (2003) e doutor (2009) pela UFRGS, foi pesquisador visitante na Universidad de los Andes e professor da Fundação Getulio Vargas em São Paulo