Danilo Fariello - O Globo
Formalmente não existem barreiras para a entrada de estrangeiros na construção. Na prática, são enormes os entraves
Com as maiores empreiteiras do país envolvidas no escândalo da Operação Lava-Jato, governo e setor privado veem como inevitável a chegada de concorrentes externos e começam a debater como se dará a abertura do mercado da construção civil. Enquanto nos maiores setores da economia brasileira — bancos, telefonia, varejo, mineração e agricultura — há atores internacionais, na construção as empresas estrangeiras têm uma atuação marginal, e os negócios estão concentrados nas grandes empreiteiras locais. Estas também não costumam fazer grandes fusões e aquisições, caminho tradicional para um investidor estrangeiro ingressar no mercado nacional.
Formalmente, não existem barreiras para a entrada de estrangeiros na construção, como há, por exemplo, nos setores de mídia e aviação civil. Na prática, porém, são enormes os entraves, que acabam por criar uma espécie de reserva de mercado. Os relatos de quem já tentou furar esse bloqueio são épicos. Vão desde a dificuldade de um engenheiro estrangeiro obter licença do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) — de quase 1,2 milhão de registros, menos de 0,1% são de estrangeiros — até a falta de pessoas do governo que falem inglês, a fim de explicar o mercado local. Os elevados impostos para importação de projetos e serviços e a exigência, pela lei 8.666, de certidões que comprovem experiência anterior e capacidade financeira para concorrer em licitações também desestimulam e, em alguns casos, inviabilizam a atuação de empresas estrangeiras.
— O país é muito fechado para o estrangeiro, e o processo burocrático, muito grande. Por isso, as grandes construtoras vão para onde acham mais fácil, como México ou Colômbia. Em determinados nichos é possível que estrangeiras consigam sucesso, mas o mercado é muito cativo — disse Ricardo Pitella, da multinacional de projetos de engenharia Arup, no Brasil há 40 anos.
Nos últimos dez anos, o predomínio no mercado das “cinco irmãs” da construção — Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão e OAS — só foi ameaçado pela Delta Construções, que desapareceu no rastro de operações da Polícia Federal (PF) contra a corrupção em 2011. Entre as 25 maiores construtoras do Brasil em 2013, apenas a vigésima, a Hochtief do Brasil, tem participação relevante de acionistas estrangeiros. A subsidiária da empresa alemã, sétima maior do mundo, está no país desde 1966.
China, Cingapura e Austrália: interesse
Segundo a revista “O Empreiteiro”, no ano passado essas 25 empresas tiveram receita de R$ 60,51 bilhões, e as cinco maiores ficaram com metade desse valor. A presença de capital estrangeiro é percebida entre as incorporadoras imobiliárias, que abriram capital há alguns anos, mas não nas empresas de construção pesada, que tradicionalmente lideram o ranking da construção.
— A crise da Lava-Jato vai obrigar o mercado a estruturar novos empreendedores com participação estrangeira fora desse estreito mundo das grandes construtoras — disse uma fonte do setor com trânsito no governo e na iniciativa privada.
O governo vê com bons olhos o ingresso do capital estrangeiro no setor. Um técnico da área econômica lembra que o governo promoveu road shows no exterior e elaborou leilões com editais atraentes para empresas estrangeiras. Em 2007, um grupo de empresas espanholas ganhou diversos leilões de infraestrutura para construir e manter rodovias e linhas de transmissão de energia.
Com o estouro da crise global, em 2008, essa onda espanhola chegou ao fim após alguns fracassos, como a venda da OHL no setor de estradas. O crédito lá fora secou, e as empresas espanholas não obtiveram recursos no país. Segundo fontes, houve forte pressão das grandes concorrentes locais sobre bancos e fundos de pensão, que são os grandes financiadores dessas obras.
— O sentimento geral é que o governo quer mais estrangeiros, mas essa concentração no setor de construção é característica em muitos lugares do mundo e de rompimento gradual — disse um integrante do governo.
Ele lembra de ações recentes para atrair estrangeiros, como a articulação para trazer chineses ao setor de ferrovias, a chegada de operadores externos para os aeroportos privatizados e a chegada de investidores de infraestrutura como o Fundo Soberano de Cingapura e o grupo australiano Macquarie. Para essa fonte do governo, mesmo com atuação restrita, os estrangeiros já vêm forçando as locais a se esforçarem.
Uma das estratégias do governo para abrir o mercado da construção, se a Lava-Jato tornar as grandes empreiteiras locais inidôneas, seria aproximar as estrangeiras das empresas médias brasileiras, a fim de dar a estas mais fôlego financeiro. Outras ideias são facilitar o registro de engenheiros no país e criar um fundo financeiro à parte dos grandes bancos e fundos de pensão, o que proporcionaria mais independência na destinação de recursos a empreendedores.
Peru, sob o domínio das brasileiras
Independentemente de essas ações governamentais se concretizarem, escritórios de advocacia e bancos de investimentos no país já apostam em parcerias com estrangeiras a curto prazo. Isso se baseia, entre outros motivos, no fato de que a necessidade de investimentos em infraestrutura no Brasil é superior à capacidade das empreiteiras locais.
— A pergunta não é mais se esse cenário vai mudar. O Judiciário funciona, e o mercado vai mudar. A discussão agora é: como vamos processar essa transição de maneira relativamente ordenada e sair do outro lado com uma estrutura boa? — indagou uma fonte do setor privado.
Agentes públicos e privados explicam que parte da concentração do mercado brasileiro de construção se justificaria pela agressividade e pelo tamanho das nossas maiores empreiteiras. Se os estrangeiros não vêm para cá, as “cinco irmãs” já atuam em diversos continentes. E não é só aqui que protegem seu mercado. Um conhecedor do segmento destaca que as empresas de fora já não encontram facilidade em concorrer no Peru, onde o mercado também está dominado pelas brasileiras.
As grandes empreiteiras locais estão acostumadas a lidar com desmandos dos governos em obras públicas, como atrasos para pagamentos de serviços já concluídos e intervenções em preços de tarifas em concessões. Fatos desse tipo despertam temor nas construtoras estrangeiras, que também teriam de se adaptar ao modelo de doações eleitorais existente no país, explica um interlocutor das empresas do ramo com o governo.
Essa incerteza nos pagamentos estaria ligada — além da falta de concorrentes externos — à cobrança de maiores margens. Segundo o integrante de um banco de investimentos, as margens das empreiteiras no Brasil giram em torno de 10% do valor das obras, enquanto em mercados mais concorridos no exterior esse índice é de 6%, em média.
— As nossas grandes são capacitadas e têm competência, é natural que os estrangeiros venham mais gradualmente. Veja quantos bancos estrangeiros vieram e quantos ficaram. Fazer uma hidrelétrica é muito mais complexo que atuar no setor financeiro — disse José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).
Procurada, a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (Abdib), que representa as empreiteiras, não se manifestou.