Josie Jeronimo - IstoE
Ministro da CGU diz que cinco mil servidores públicos foram afastados nos últimos 12 anos. Mas reconhece que o cidadão quer mesmo é ver atrás das grades os envolvidos nos escândalos
NO RASTRO DA CORRUPÇÃO
Para Jorge Hage, a sofisticação de mecanismos de inteligência
financeira ajuda a monitorar os esquemas
Ele é o ministro mais longevo dos 12 anos de administração do PT e carrega uma das missões mais pesadas em meio ao escândalo da Petrobras: a de cortar na própria carne. Jorge Hage assumiu a Controladoria-Geral da União (CGU) em 2006 e de lá para cá ajusta o trabalho de fiscalização dos bens públicos a leis antiquadas e ao Judiciário lento. Com a eclosão da Operação Lava Jato, Hage terá que aplicar em grande escala regras recém- inauguradas pela lei 12.846, de 2013, conhecida como Lei Anticorrupção.
Uma dessas novas normas é o acordo de leniência, que permite às empresas acusadas de corrupção negociar pagamento de multa e devolução de dinheiro desviado em troca de abrandamento das punições.
"Tenho pedido reiteradamente ao procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, o acesso à delação, mas ele me explicou
a dificuldade legal de compartilhar"
A conciliação na controladoria não ficará só no âmbito das pessoas jurídicas. Ex-diretores da companhia corruptora que confessaram crimes e os que são investigados pela Justiça também terão processos administrativos abertos. Mas a sanção máxima para os ex-funcionários é uma demissão desonrosa.
“Se, depois que esse diretor foi exonerado, identificarmos irregularidades praticadas quando estava em exercício, nós podemos converter a exoneração em destituição do cargo público. Aí sim é uma penalidade que pode torná-lo impedido de retornar a funções públicas”, explicou. Hage reconhece, no entanto, que os cidadãos se ressentem de punições maiores. “A população quando fala em acabar com impunidade quer ver o cidadão preso.”
ISTOE - A CPI da Petrobras defende alteração no decreto que regula o modelo de concorrências na Petrobras para se adequar às regras da lei de licitações. Qual é a opinião do sr.?
Jorge Hage - A Lei 8.666 é bastante antiga, de 1993. Ela merece uma revisão, sem dúvida. Tem alguns aspectos extremamente burocratizantes que não se coadunam com a evolução da vida em geral. Então, ela comporta reformas e modernização. A Petrobras se limita a fazer o convite, uma licitação do tipo convite. Seguramente isso não é a melhor forma. Será preciso encontrar um meio-termo entre o excesso de burocracia da 8.666 e o sistema atual da Petrobras, que é falho. Não tenho dúvida de que alguma coisa aí no meio do caminho precisa ser buscada e encontrada. Por essa razão, me parece importante que haja um debate sobre uma nova lei de licitações, desde que garanta a segurança necessária para mediar uma disputa realmente isonômica entre os concorrentes, a segurança da administração e das empresas para que não haja direcionamento das licitações. É uma medida contra o conluio entre as empresas, que é uma prática que sempre existiu, durante a vigência da Lei 8.666 e mesmo antes dela.
Foi sempre assim?
Desde os tempos em que eu me formei em direito, a primeira expressão que eu ouvi a respeito de empresas que concorriam em licitação foi a seguinte: não, isso se resolve com o “combinemos”. O “combinemos” é a palavra corrente, ou seja, conluio. A Lei 8.666 teve condições de impedir isso com toda sua rigidez? A verdade é que não. Temos que buscar novas formas. Precisamos nos inspirar em experiências de outros países com normas de licitações mais modernas. Espero que nessa rodada se chegue a um resultado adequado.
A CGU vai utilizar informações da base de dados da Operação Lava Jato para negociar os acordos de leniência?
O compartilhamento de informações vai ajudar muito. A operação Lava Jato é resultado de um inquérito de uma investigação da Polícia Federal com o Ministério Público. Tudo que está sendo divulgado decorre desse inquérito. É de primordial importância para nós, que temos a competência legal para instaurar processos em caso de ilícitos cometidos contra a administração – no caso contra a Petrobras – e processos contra agentes públicos. Só os casos contra parlamentares estão fora da nossa competência. Mas nós atuaremos nos processos contra empregados, dirigentes, ex-dirigentes e ex-empregados. Do lado de fora da empresa, investigaremos firmas que eventualmente foram corruptoras.
Como isso é feito?
Pedimos, desde o início, ao juiz de Curitiba Sérgio Moro. Ele autorizou o acesso aos dados, mas fizemos agora um pedido mais específico, em relação a essa sétima etapa da Lava Jato, que foi chamada de juízo final. O juiz imediatamente autorizou. A Receita Federal, o Tribunal de Contas da União e o Cade também foram autorizados. Mas o juiz não autorizou o acesso à delação premiada. Então, essa parte ainda falta. Tenho pedido reiteradamente ao procurador-geral da República o acesso à delação. Conversei com o Rodrigo Janot e ele me explicou a dificuldade legal de compartilhar. Pela legislação, no caso de delação, ele só pode compartilhar quando entrar com a ação criminal.
A CGU poderá aplicar punições a ex-funcionários, a exemplo de Paulo Roberto Costa, mesmo amparados por um acordo de delação premiada?
Nada impede a CGU de punir. Se alguém fizer um acordo de delação premiada com o MP, isso envolve a ação penal que eventualmente ele deixe de iniciar. É a delação premiada no campo criminal. Conosco isso não interfere. Nosso processo está livre para ser instaurado.
Isso depende de quê?
Depende das cláusulas do acordo, que só será celebrado se for de interesse da administração, assim como o Ministério Público só celebra o acordo quando vale a pena. No caso atual, é preciso saber se o executivo e o diretor têm condições de revelar informações que o Ministério Público não sabia ainda. Para nós, vamos avaliar se a empresa se dispõe a pagar uma multa e se isso vale a pena ou não. Ou seja, é uma negociação, como qualquer outra.
Que tipo de punição os ex-diretores da Petrobras investigados por corrupção podem receber?
Nosso entendimento é que é possível aplicar as regras que nós aplicamos para os servidores públicos. Ou seja, quando um servidor ocupava uma diretoria, ou órgão da administração direta, ou de uma fundação e já havia sido afastado dali, ele era exonerado. Nos termos técnicos, a saída de uma pessoa, quando não é por conta de uma irregularidade, se chama exoneração. Se, depois que esse diretor foi exonerado, nós identificarmos irregularidades que ele praticou quando estava em exercício, nós podemos converter a exoneração em destituição do cargo público. Aí sim é uma penalidade que pode torná-lo impedido de retornar a funções públicas.
Somente as empresas são obrigadas a devolver recursos?
O Tribunal de Contas da União pode condenar pessoas físicas a devolver recursos, a pagar multas reparatórias. No campo judicial, as ações do MP podem ser ações tanto de improbidade como criminal. Pode ser um dos efeitos secundários a reparação do dano. No campo da CGU, a lei nova, anticorrupção, não alcança a pessoa física. Só alcança a empresa.
A sensação de impunidade alimenta a corrupção. O processo judicial precisa de revisão?
Enquanto não mexermos com o processo judicial, não vamos dar conta de acabar com a sensação de impunidade. As penas que podemos aplicar administrativamente são importantes, sim. Já excluímos dos quadros da administração 5.022 servidores públicos, em 12 anos de CGU. Não é pouco. Isso é importante, mas a pena máxima é a demissão. Isso não põe o cara na cadeia, só o processo judicial. A população quando fala em acabar com impunidade quer ver o corrupto preso, embora a perda do cargo público não seja pouca coisa, mas é importante que o processo judicial também ande. E os nossos processos não são só contra agentes públicos, mas contra empresas.
Quantas empresas foram atingidas por esses processos?
Mais de quatro mil empresas receberam punições e suspensão da capacidade de contratar. É bastante, mas ainda há dificuldade de recuperar o dinheiro. No fim das contas, se não for por um acordo celebrado para ressarcimento imediato, como tentaremos nos acordos de leniência que viermos a celebrar, será pela via judicial. Aí demora anos para chegar ao fim de um processo de cobrança de título creditício. Com todo esforço que a Advocacia-Geral da União (AGU) tem feito, o percentual de retorno do dinheiro ainda é muito baixo. Isso só se resolve com melhoria do processo no Judiciário. Depende de reforma legislativa.
O Brasil vai inaugurar os acordos de leniência com a Lava Jato. A Lei Anticorrupção ainda precisa de ajustes?
O que não existe é uma tradição, uma praxe. Esse acordo de leniência que surge agora, e não na Lava Jato, mas com a SBM Offshore, será o primeiro. Mas a lei dá os delineamentos necessários. Não precisamos esperar o decreto de regulamentação, como alguns erroneamente imaginam, alegando que a Lei Anticorrupção não pode ser aplicada, pois não há um decreto. Bobagem pura. A lei não condicionou sua eficácia a decreto nenhum. O único inciso que precisa de regulamentação diz respeito ao programa de compliance. São parâmetros para avaliar se há um programa de controle interno na empresa, pois isso é levado em conta como atenuante para eventual pena.
A ferramenta da CGU que monitora a evolução patrimonial de servidores, incompatível com a renda, não alcança postos mais altos da administração pública? É possível antecipar os grandes escândalos de corrupção monitorando o estilo de vida dos gestores?
O Brasil tem essa ferramenta já concebida, mas não há os meios concretos na prática de fazer com que essa vigilância seja tão completa. O Coaf existe para isso. Foi revelado, inclusive, que o Coaf estava monitorando esse pessoal todo da Lava Jato há dois ou três anos. Por isso, surgiu a operação. O monitoramento é feito por meio da disposição legal que obriga bancos, imobiliárias, empresas de diferentes segmentos da economia, mercado de objetos de arte, uma série de setores a reportar diariamente ou casuisticamente ao Coaf transações fora dos padrões. Tudo isso faz parte do sistema de inteligência financeira, que é razoavelmente desenvolvido no Brasil. Nós fizemos um trabalho que outros países já têm que é a definição das pessoas politicamente expostas. Fizemos isso junto com Coaf, Banco Central, Receita e Polícia Federal. Há um levantamento para definir quem deveria entrar na lista. São parlamentares federais, altas autoridades públicas, ministros dos tribunais superiores, juízes ,desembargadores e prefeitos de capitais. É um número alto, cerca de 2.500 pessoas consideradas politicamente expostas. Essa seleção dos politicamente expostos serve para que o sistema de inteligência financeira os fiscalize com uma lupa de maior grau. Essas pessoas têm suas contas e transações fiscalizadas mais de perto. O olho do Coaf e do Banco Central fica mais próximo delas do que do cidadão comum.
"Será preciso encontrar um meio-termo entre o excesso de burocracia
da lei de licitações e o sistema atual da Petrobras"