sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Presença da Eletrobras na Nicarágua é alvo de críticas de minoritários

Ramona Ordoñez, Glauce Cavalcanti e João Sorima Neto - O Globo

Acionistas questionam decisão da estatal de investir US$ 100 milhões em hidrelétrica

Aprovação. José da Costa Carvalho Neto, presidente da Eletrobras: Tumarín é bom investimento - Fabio Rossi / Fabio Rossi/29-5-2013


A decisão da Eletrobras de investir em uma usina hidrelétrica na Nicarágua, o chamado Projeto Tumarín, desagradou aos acionistas minoritários. Um deles, o economista Roberto de Moura Campos, questionou, em carta enviada à diretoria de Relações com Investidores, a decisão de fazer um aporte de US$ 100 milhões em Tumarín, mesmo a estatal tendo acumulado um prejuízo de R$ 1,8 bilhão nos três primeiros trimestres de 2014. Segundo Campos, nesta quinta-feira, a Eletrobras se comprometeu a realizar uma teleconferência para esclarecer as dúvidas. A proposta foi enviada a ele em e-mail assinado pelo chefe da divisão de Atendimento ao Mercado, Francisco de Assis Lima.

— Espero que a teleconferência seja aberta a outros acionistas minoritários e especialistas do mercado. As decisões tomadas pela administração da Eletrobras, nos últimos anos, nunca levaram em conta as expectativas dos minoritários. A Eletrobras virou uma empresa para socorrer o governo quando há problemas no setor de energia — disse Campos, que comprou ações da empresa há mais de 25 anos, pensando em ter uma boa poupança no futuro.

Na quarta-feira, o presidente da Eletrobras, José da Costa Carvalho Neto, afirmou que o projeto de construção de uma usina hidrelétrica na Nicarágua, em associação com a construtora Queiroz Galvão, é um bom negócio, e que o fato de a estatal ter apresentado prejuízos em seus balanços trimestrais não impede o projeto:

— Num momento como este, a Eletrobras precisa continuar crescendo. Ela está investindo da melhor maneira possível. Um projeto desses é bom política e economicamente para o país.

PARCERIA COM QUEIROZ GALVÃO
A Eletrobras se tornou acionista da Centrales Hidroelétricas de Centroamérica (CHC), sediada na Nicarágua, em 2010, em parceria com a Queiroz Galvão —uma das empreiteiras envolvidas na Operação Lava-Jato. A hidrelétrica deverá estar pronta em 2019, e o projeto está orçado em US$ 1,1 bilhão, segundo fontes de mercado. O aporte de US$ 100 milhões aprovado em reunião do Conselho de Administração da Eletrobras será feito ao longo de dois anos.

— Na mesma reunião em que apresentou os desastrosos resultados do terceiro trimestre, a companhia apresentou o projeto da Nicarágua e votou a aprovação do aporte. Eu desconhecia o projeto e me abstive de votar - comentou João Lian, representante dos minoritários no Conselho de Administração da Eletrobras.

Para ele, o questionamento é legítimo, pois faltam informações sobre como o investimento está sendo feito e que resultados trará aos acionistas minoritários.

Fontes próximas à empresa destacam que os problemas de caixa decorrentes da renovação das concessões e da redução das tarifas no setor elétrico, além da ingerência política, estão minando os resultados e, por consequência, a confiança dos investidores.
— Um projeto no exterior, e por meio de uma sociedade de propósito específico, pode representar sangria financeira num período de resultados ruins — disse uma fonte.

Procuradas para detalhar a participação do consórcio na construção da hidrelétrica na Nicarágua, Eletrobras e Queiroz Galvão não responderam.

Na carta enviada ao diretor Financeiro e de Relações com os Investidores, Armando Casado, Campos escreveu que "após sucessivos prejuízos bilionários da Eletrobras, causa perplexidade a decisão do Conselho de Administração de realizar investimentos na hidrelétrica de Tumarín. Tem-se a impressão de que a administração está completamente alheia aos sérios problemas internos da empresa e toma uma decisão de caráter político".

Campos também questionou a possibilidade levantada pela estatal, em teleconferência sobre os resultados do terceiro trimestre, de não realizar pagamento de juros sobre capital próprio ou dividendos. Segundo ele, isso não teria respaldo legal.

A Eletrobras respondeu que a intenção da empresa é seguir a política de dividendos em caso de lucro. Mas, se registrar prejuízo, antes do pagamento de qualquer dividendo, a empresa deve primeiro deduzir o prejuízo e fazer a provisão para pagamento de Imposto de Renda. E esclareceu que não pode usar as reservas estatutárias, de R$ 2 bilhões, para pagar dividendos, somente para deduzir o prejuízo.

A carta enviada à Eletrobras teve o respaldo de outros minoritários. Campos disse que decisões desse tipo deixam os investidores frustrados, já que não levam em conta o interesse principal da empresa, que é ser lucrativa:

— Os papéis da empresa sempre estiveram abaixo de seu valor real, e acreditei que tinham potencial de valorização. Mas, por conta do uso político da empresa pelo governo, esse potencial nunca se concretizou.