Cássia Almeida, Clarice e Marcelo Corrêa - O Globo
Economia recua 0,6%, no segundo trimestre seguido de queda, e Brasil entra em recessão
A economia brasileira andou para trás no primeiro semestre. O Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) caiu 0,6% no segundo trimestre, frente ao início do ano, informou na sexta-feira o IBGE. O instituto também revisou seus dados para o primeiro trimestre, que antes apontavam para um alta de 0,2% e, agora, mostram queda de 0,2% na atividade econômica. Com isso, o Brasil entrou em recessão técnica: dois trimestres seguidos de queda no PIB. Segundo especialistas, os números refletem uma queda generalizada na confiança dos empresários, o que derrubou os investimentos e a indústria. Houve piora até no consumo do governo, que recuou 0,7%.Os dados do IBGE mostram ainda que a crise é interna. Frente ao primeiro trimestre de 2013, o PIB amargou queda de 0,9%. A demanda interna teve tombo ainda maior, de 1,6%, destaca o economista Armando Castelar, da Fundação Getulio Vargas:
— O setor externo não teve nada a ver com a queda do PIB. É reflexo do quadro doméstico.
Com o fraco desempenho da economia no segundo trimestre, bancos e consultorias revisaram suas projeções para este ano. As estimativas estão entre zero e 0,6%. Segundo Castelar, para o país crescer 0,3% este ano, será preciso que os próximos trimestres tenham expansão de 0,5%:
— Teremos resultado próximo de zero.
Roberto Olinto, diretor de Pesquisas do IBGE e coordenador de Contas Nacionais, porém, diz que o instituto não trabalha com o conceito de recessão:
— O que houve foi desaceleração no crescimento quando se olham as taxas acumuladas. O conceito de recessão é uma análise de ciclos econômicos, que não leva só o PIB em conta.
CONSUMO SOBE HÁ DEZ ANOS
O investimento foi um dado que decepcionou, despencando 5,3% frente ao início do ano e 11,2% contra o segundo trimestre de 2013. A Formação Bruta de Capital Fixo (investimento em máquinas e equipamentos e na construção civil), que reflete o aumento da capacidade produtiva do país, vem recuando há um ano.
— Houve um colapso nos investimentos — disse Alexandre Maia, sócio da Kyros Investimentos.
A indústria repete o desempenho dos investimentos, caindo 1,5%, no quarto recuo seguido. Até os serviços, que vinham segurando a economia e respondem por quase 70% do PIB, decepcionaram, com queda de 0,5%. Só o consumo das famílias se manteve em alta, mesmo assim em níveis menores: 0,2% frente ao início do ano e 1,2% contra o segundo trimestre de 2013. Nessa comparação, sobe há mais de dez anos. Segundo analistas, o mercado de trabalho ainda não refletiu os efeitos da recessão, e o avanço da renda e do emprego sustenta o consumo das famílias.
O economista da PUC-SP Antonio Corrêa de Lacerda vê a crise da Argentina e o menor número de dias trabalhados na Copa do Mundo como outros fatores para o resultado negativo:
— O primeiro semestre foi fraco e compromete o resultado do ano. Teremos algo como 0,3% e 0,4%, a depender do quarto trimestre.
Corrêa de Lacerda afirma que a confiança dos empresários pode continuar sem reação, à espera do resultado da eleição:
— O desafio maior será tornar mais clara a estratégia de política econômica para recuperar a confiança. Claro que temos problemas, mas temos mercado de trabalho resistente, a massa salarial crescendo, reservas cambiais e um quadro fiscal que se deteriorou, mas que não é preocupante. É possível reconstruir as bases para acelerar o crescimento.
A ultima recessão no Brasil foi na esteira da crise financeira global de 2008. O PIB recuou 4,2% no fim de 2008 e caiu 1,7% no início de 2009. Apesar de mais forte, a recessão naquela ocasião foi rápida, e, no segundo trimestre de 2009, o PIB já crescia 1,9%. Em comum entre os dois momentos, há a falta de confiança de empresários.
Em maio deste ano, o nível de pessimismo voltou ao patamar daquela época. Mas, em 2009, a taxa de desemprego subiu, ao contrário de hoje, e houve corte forte de vagas formais. Ete ano, os empregos formais ainda crescem, embora a um ritmo bem lento, e o rendimento do trabalho está subindo.
— O Brasil crescia a um ritmo anual de 6,6% antes da recessãod e 2008. Agora as quedas são mais brandas, e a volta também será lenta — afirma Andrei Spacov, da Gávea Investimento.