sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Ambientalista, Marina Silva defende energia nuclear em seu plano de governo

Renato Onofre, Tiago Dantas e Germano Oliveira - O Globo

Programa da candidata deixa pré-sal em segundo plano, fala de rigor contra homofobia, fim da reeleição e mandato para presidente do BC

O programa de governo lançado nesta sexta-feira pela campanha de Marina Silva, em São Paulo, levanta uma série de pontos polêmicos. Um deles, como adiantou hoje O GLOBO, o protagonismo do pré-sal, uma das bandeiras do atual governo, é relegado para segundo plano. Outra questão levantada pelo programa de governo é utilização da energia nuclear para que o país se torne um ator relevante no setor de energia elétrica. Também chama a atenção a posição de Marina a favor da criminalização da homofobia, assunto que enfrenta forte resistência da igreja evangélica, da qual a ex-senadora faz parte.

O programa de governo prevê ainda o fim da reeleição, a adoção de um mandato de cinco anos, mudanças nos critérios de votação para cargos proporcionais, buscando eleger os mais votados e a permissão de registro de candidatura avulsas, sem a representação dos partidos.

Em relação ao pré-sal, o programa , com cerca de 250 páginas, o pré-sal tem, de fato, papel secundário no eixo de prioridades para o setor energético proposto pela a equipe de Marina. Só tem uma referência física no texto. Em linhas gerais, o programa propõe a adoção de diferentes maneiras para a obtenção de energias com ampliação da participação da eletricidade e a redução do consumo absoluto de combustíveis fósseis através do aumento da proporção de energias renováveis, tais como energia eólica, solar e de biomassa, principalmente da cana-de-açúcar.
Marina e Beto Albuquerque querem ainda a unificação do calendário geral das eleições, a revisão da distribuição do tempo de propaganda eleitoral gratuita e a redução das assinaturas necessárias para a convocação de plebiscitos e referendos.

“É preciso buscar sempre a fronteira tecnológica do setor, (...) investir em pesquisa e desenvolvimento de equipamentos de geração de energia a partir de fontes renováveis. Mesmo considerando os maiores esforços para a redução do consumo absoluto de combustíveis fósseis, o petróleo e seus derivados continuarão a ser fonte importante na matriz energética brasileira, dado que não há tecnologia para sua substituição no curto prazo. Haverá, no entanto, significativo investimento para desenvolver tecnologias limpas, que possam melhorar permanentemente nossa matriz energética”.

Apesar de colocar de lado o pré-sal na matriz energética, o programa deixa subentendido que os recursos da exploração dos campos já licitados serão necessários para aumentar os investimentos em educação.

No ponto sobre a energia, o texto fala em “aperfeiçoar e aumentar a escala dos atuais programas de promoção de energias fotovoltaica e eólica, utilização do hidrogênio em células combustíveis e energia nuclear, fundamentais para que o país se torne um ator relevante nesses setores, que serão vitais para a sociedade do futuro.”

Em relação ao Mercosul, ela propõe uma reformulação das políticas de acordos do bloco com outros parceiros — União Europeia, Aliança do Pacífico e Unasul. O programa propõe que o Mercosul assuma um papel proativo na negociação de acordos bilaterais e regionais. Durante a campanha aliados como o economista Eduardo Giannetti afirmaram que o Mercosul amarrava as negociações bilaterais brasileiras.

O programa fala em atuação ativa na formulação de acordos comerciais envolvendo os principais blocos comerciais do mundo — EUA, Europa e Ásia. E ampliação dos horizontes de integração produtiva e de comércio exterior com a América do Sul em geral, e não apenas com o Mercosul.

POLÍTICA DE ASSENTAMENTOS E NOVO PACTO FEDERATIVO

A candidata do PSB propõe ainda uma força tarefa para imediato assentamento de 85 mil famílias em zonas de conflito de reforma agrária, com a priorização de novos assentamentos próximas a cidades médias.

O programa prevê um novo pacto federativo ao propor um novo modelo constitucional de repartição de receitas tributárias a fim de garantir mais recursos e maior autonomia a estados e municípios. Além do aumento imediato de 23,5% para 25,5% nos recursos transferidos aos municípios pelo Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

No setor econômico, a recuperação do tripé macroeconômico básico com a metas de inflação críveis e respeitadas, sem recorrer a controle de preços que possam gerar resultados artificiais. Outro objetivo é manter a taxa de câmbio livre, sem intervenção do Banco Central que se tornaria independe. O banco teria, ainda, mandato com tempo fixo para a presidência, ao contrário do que é hoje.

Contrariando o que pensa os evangélicos em geral, o programa de Marina prevê a aprovação do projeto de lei que criminaliza a homofobia e “equipara a discriminação baseada na orientação sexual e na identidade de gênero àquelas já previstas em lei para quem discrimina em razão de cor, etnia, nacionalidade e religião”.

Na área de direitos civis de homossexuais, o programa fala em garantir a união civil de pessoas do mesmo sexo, em eliminar obstáculos para a adoção de crianças por casais homoafetivos e em incluir o combate ao bullying, à homofobia e ao preconceito no Plano Nacional de Educação, “desenvolvendo material didático destinado a conscientizar sobre a diversidade de orientação sexual e às novas formas de família”.

Outro ponto que pode causar polêmica diz respeito ao aborto. O programa de Marina prevê a consolidação de serviços de interrupção da gravidez conforme a legislação em vigor no Sistema Único de Saúde (SUS).

O “passe livre” para os estudantes, que levantou polêmica por não ter recursos garantidos, foi melhor detalhado no programa. A proposta é colocar o projeto em prática gradualmente, beneficiando, em primeiro lugar, os alunos de baixa renda não atendidos pelo transporte escolar gratuito e matriculados em escolas públicas de Educação Básica ou em cursos superiores por meio de programas como o Prouni e o Fies”, segundo o texto. A gratuidade será provida com programa de apoio financeiro a estados e municípios.

QUATRO MILHÕES DE CASAS E 150 KM DE VLTS

Na área de habitação, o programa de governo de Marina Silva prevê a ampliação do programa Minha Casa, Minha Vida, com a construção de 4 milhões de moradias até 2018, como já vinha sendo prometido por Eduardo Campos durante a campanha.

Também prevê a recuperação de áreas centrais degradadas nas metrópoles e o pagamento de aluguel social para famílias de baixa renda, o que permitiria que famílias pobres morassem mais perto dos centros.

Por fim, o plano de governo propõe o fim do instituto dos “terrenos de marinha”, o que acabaria com um imposto pago por quem mora em toda a costa brasileira.

Com relação a tratamento de resíduos sólidos, Marina propõe a implementação de coleta seletiva em todos os municípios brasileiros e estabelece a meta de 10% de lixo domiciliar reciclado em quatro anos. A cidade de São Paulo, a título de comparação, tenta atingir essa meta desde 2005 e ainda não conseguiu.

A candidata do PSB pretende implementar um programa que construa, em quatro anos, pelo menos mil quilômetros de corredores de ônibus (BRT) ou veículos leve sobre trilhos (VLT) em todas as cidades com mais de 200 mil habitantes, além de 150 quilômetros de trem e metrô nas regiões metropolitanas, embora não deixe claro quanto custaria a proposta.

A candidata propõe desoneração tributária e concessão de crédito como forma de viabilizar projetos que transfiram, gradativamente, polos geradores de empregos dos centros urbanos para áreas mais periféricas.

O combate à violência prevê um Plano Nacional de Redução de Homicídios, baseado no Pacto pela Vida, adotado pelo governo de Pernambuco, durante gestão de Eduardo Campos, e aumentar o efetivo da Polícia Federal em 50% ao longo de quatro anos. O programa aposta, ainda, criação de sites na internet que permitam o controle social sobre as políticas públicas de segurança. Esse tópico do programa fala, ainda, em "enfrentar o tráfico de drogas e as diferentes ordens de facções que organizam sua produção e distribuição no país, bem como desenvolver e apoiar estratégias de redução de danos aos usuários."

Na área da administração penitenciária, o programa se mostra contra o que chama de "encarceramento em massa" e propõe a adoção de penas alternativas, de acordo com os crimes.

Com relação aos direitos humanos, propõe o combate ao trabalho escravo e a adoção de um mecanismo de confisco de “todo e qualquer bem de valor econômico encontrado nas propriedades que sejam flagradas utilizando trabalho escravo e verificar a possibilidade de usar imóvel na reforma agrária ou em programas sociais”.

10% DO PIB PARA EDUCAÇÃO

No setor de Educação, Marina pretende acelerar a implementação do Plano Nacional da Educação (PNE), que prevê a destinação de 10% do PIB à educação. Nesse capítulo, ela tem uma contradição. Embora diga no programa que pretende tirar o protagonismo do Pré-Sal do seu governo, no plano de Educação a ex-senadora prevê aplicar os repasses à à educação de parcela dos royalties do petróleo das áreas já concedidas e das do Pré-Sal.

O programa do PSB pretende também priorizar a educação integral na Educação Básica, tornando-a Educação Integral como uma política de Estado. Sem citar números e nem necessidade de investimentos, o plano diz que o PSB pretende investir na infraestrutura das escolas e na construção de novas unidades, “já que muitas não têm condições físicas suficientes e adequadas para acomodar educação integral, priorizando a construção e a gestão de escolas sustentáveis”.

O programa propõe “refundar” a educação pública de qualidade para todos a partir de critérios de efetiva equidade social, "articulando as diferentes dimensões da educação - formal e não formal e informal - numa concepção de educação ao longo da vida".

O plano prevê garantir condições para o combate ao analfabetismo nos próximos anos a fim de alcançar a meta estipulada pela ONU de 6,7% e persistir na luta por sua erradicação. Fala também em “avançar na superação do analfabetismo funcional, estabelecendo-se a meta de reduzi-lo drasticamente em quatro anos”.

Pretende também criar creches públicas para cumprir as metas do PNE, promovendo as condições efetivas de construção nos municípios e formação de convênios com entidades privadas.

No setor de cultura, o plano de Marina Silva pretende aumentar o Orçamento direto do Ministério da Cultura a partir do primeiro ano do governo e constituir um instituto responsável pela mensuração do PIB da cultura e por um banco de dados dinâmico, referente à produção e à circulação artístico-cultural nas diversas cadeias produtivas e regiões. Pretende também aumentar o valor repassado a cada Ponto de Cultura, que em 2014 tinha um valor de R$ 60 mil. Objetiva também estimular o funcionamento de museus, arquivos, bibliotecas e novas formas de preservação da memória material e imaterial.
Marina propõe também reestruturar a Ancine e agilizar uma nova Lei Federal de Incentivo Fiscal à Cultura.

No capítulo de Esportes, pretende preparar o país para as Olimpíadas, criando programas para apoiar municípios na disseminação das modalidades de esportes e as habilidades e valores que criam em diferentes espaços públicos (praças, parques e clubes). O plano de Marina prevê ainda criar um comitê interministerial para articulação de programas e projetos voltados ao Esporte que envolva, no mínimo, os ministérios do Esporte, do Planejamento, de Educação, da Saúde e de Cidades e conte com a participação da sociedade civil. Pretende também desburocratizar a Lei de Incentivo ao Esporte.

O documento do PSB prevê ainda ampliar os investimentos públicos no setor de Ciência e Tecnologia, para alcançar nos próximos anos 2% do PIB. Nesse segmento, o governo de Marina pretende preservar o que restou da Mata Atlântica, e aprofundar o conhecimento científico da Amazônia, pesquisando e viabilizando novas potencialidades regionais, tais como serviços ambientais e energia solar. Objetiva ainda promover a universalização a inclusão digital e o acesso público à Banda Larga.


LUTA CONTA A POBREZA

No segmento das políticas sociais, o programa mantém as conquistas sociais do governo do PT e decide “transformar o Programa Bolsa-Família em política pública de Estado”, “assegurando sua continuidade mesmo com as alternâncias de governo”. O plano de Marina prevê também incluir no Bolsa-Família todas as famílias cujo perfil preencha os critérios do programa, estimadas hoje em 10 milhões. Pretende “envolver” a sociedade na luta contra a pobreza também pela via do empreendedorismo, por meio de projetos de educação, capacitação e orientação empresarial.

No setor da Saúde, o programa de Marina estima implementar gradualmente ao longo de quatro anos a proposta do projeto de lei da iniciativa popular de vincular 10% da Receita Corrente Bruta da União ao financiamento das ações de saúde.

Sem dizer de onde vem o dinheiro, o plano estima construir 100 novos hospitais e 50 maternidades. Estima ainda aumentar os investimentos na Atenção Básica para, no mínimo, 30% do Orçamento da saúde. Fala em reformular o atual modelo de gestão do SUS e ampliar o Sistema de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), mas em nenhum dos casos fala como isso se dará. O programa não fala em acabar o programa Mais Médicos e diz que pretende assegurar a "fixação dos profissionais da saúde em todos os municípios brasileiros, notadamente nos mais distantes dos grandes centros urbanos".