sexta-feira, 1 de março de 2019

"Do lado certo", por J.R. Guzzo

O fato é que o governo do Brasil 

estaria dando apoio pleno a Maduro

se o resultado do segundo turno 

da eleição tivesse sido o contrário

do que foi



Há certas horas, no Brasil de hoje, em que é realmente um alívio lembrar que o presidente da República não é Fernando Haddad. Agora, justamente, é uma hora dessas. 
O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, está em guerra contra a maioria da população do próprio país; sua última ideia foi fechar as fronteiras com o Brasil e a Colômbia para não deixar que entrem na Venezuela alimentos, remédios e outros artigos de primeiríssima necessidade. 
É um novo patamar, ao que parece, em matéria de brutalidade. 
Da mesma maneira que um exército trata de cortar todos os possíveis suprimentos da força inimiga, os militares, as “milícias” armadas e os outros gângsteres que mandam hoje naquele país acham que, quanto mais fome, doença e calamidades os venezuelanos sofrerem, mais fraca vai ficar a oposição. Pode ser. 
Pode não ser. 
O fato é que um pacote de arroz ou uma bolsinha de soro fisiológico viraram alvo estratégico a ser destruído. 
Outro fato é que o governo do Brasil estaria dando apoio pleno a Maduro se o resultado do segundo turno da eleição tivesse sido o contrário do que foi.
Muito se ouviu falar da situação perigosíssima que teria sido criada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro ao declarar-se, antes mesmo de tomar posse, absolutamente contra a ditadura venezuelana. 
De lá para cá, pelo menos cinquenta outros países com credenciais democráticas acima de qualquer discussão tomaram a mesma decisão — Maduro, neste lado do campo, nem sequer é mais reconhecido como o presidente legal da Venezuela. 
Fica difícil entender, então, por que o Brasil estaria numa posição mais segura se tivesse ficado dentro do bando de regimes fora da lei, do ponto de vista democrático, que apoia a tirania — lugares como Cuba, Rússia, China e outros da mesma natureza. 
A verdade, para não “problematizar” uma situação em que não há problema nenhum a ser esclarecido, é que a esquerda brasileira, em geral, e o PT, em particular, não quiseram até agora reconhecer o fato de que a Venezuela, há muitos anos, se transformou numa tirania imposta pela força bruta de um condomínio de malfeitores. 
(O ex-presidente Lula chegou a dizer que o verdadeiro problema da Venezuela era ter “democracia demais”.) 
Por preguiça mental, covardia e simples cobiça, preferiram abraçar a mentira, sempre muito bem remunerada pelas Odebrecht da vida, de que o “bolivarianismo” era um movimento “de resistência à direita”. 
Daí não conseguiram sair nunca mais.
“Para quem torce contra o governo, as crises, infelizmente, acabam rápido demais”
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Uma das chateações dos cidadãos que não gostam do governo Bolsonaro, muitos dos quais sonham que ele não complete os quatro anos previstos na lei, é a curta duração que os seus problemas têm tido até agora. É uma decepção. 
Os bolsonarianos, segundo garante o noticiário cotidiano, vivem gerando crises descritas como mortais dentro do governo; mas as crises, infelizmente para quem torce contra, estão acabando rápido demais. 
Já se perdeu a conta de quantos terremotos ameaçaram liquidar o governo nesta sua existência de meros dois meses, ou nem isso; a esperança é que o próximo cataclismo, enfim, consiga pegar. 
Um dos melhores momentos nessa sucessão de problemas que queimam a largada teve como herói o filho do meio do presidente. 
Como Oliver Cromwell pouco depois da guerra civil na Inglaterra do século XVII, o rapaz parece ter declarado a si próprio uma espécie de Lord Protector do reino; mas o seu papel de protetor do pai e da República, que estaria afundando o governo em desordem fatal, não durou nem quarenta dias úteis. 
Aparentemente, ele está de volta às suas atividades normais como vereador do Rio de Janeiro. 
Se a escrita seguida pelo governo até agora for mantida, é por lá que deverá ficar.
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Num artigo publicado dias atrás sobre a epidemia de abusos sexuais praticados pelo clero da Igreja Católica, o jornalista Clóvis Rossi escreveu que sua neta Alice, de 10 anos, só vai à missa acompanhada pelos pais. É uma dessas frases que, pensando um pouco, definem com espetacular eficácia uma situação e uma época — muito melhor do que qualquer relatório de 10.000 páginas elaborado por alguma comissão investigativa cinco-­estrelas, ou mais que isso. Pelo contexto do artigo, um comentário equilibrado, sereno e inteligente sobre a questão, parece claro que o jornalista apenas relatou um fato, sem a menor intenção de montar uma sentença destinada a virar letreiro. Mas aí é que está: um padre católico, que tanto servia como símbolo de proteção, é hoje alguém com quem não se aconselha deixar uma criança de 10 anos sozinha. Pior que isso não fica. 

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