sexta-feira, 29 de março de 2019

Parlamento britânico rejeita pela terceira vez acordo do brexit

PARIS
No dia originalmente programado para a despedida do Reino Unido da União Europeia (UE), o Parlamento britânico impôs nova derrota à primeira-ministra Theresa May e rejeitou nesta sexta-feira (29) o acordo “fatiado” de saída do bloco que ela submeteu ao plenário.
Trata-se do terceiro revés da líder conservadora. Desta vez, a diferença foi de 58 votos —na primeira consulta, em janeiro, fora de 230, e na segunda, em 12 de março, de 149.
Aprovar ao menos o termo de separação até o dia 29 era condição imperativa estabelecida pela UE para o Reino Unido poder permanecer no bloco até 22 de maio, ou seja, ter praticamente mais dois meses para organizar sua saída.
Sem esse endosso dos deputados, Londres agora se vê diante do risco de ser ejetada do consórcio em 12 de abril, sem acordo, o que teria grande impacto na economia britânica.
Para contornar isso, e poder pleitear novo adiamento do Dia D do brexit, o governo May teria de concordar em participar das eleições para o Parlamento Europeu, no fim de maio.
A primeira-ministra Theresa May discursa durante sessão do Parlamento britânico em que o acordo do brexit negociado por seu governo foi rejeitado pela terceira vez
A primeira-ministra Theresa May discursa durante sessão do Parlamento britânico em que o acordo do brexit negociado por seu governo foi rejeitado pela terceira vez - AFP
“As implicações da decisão desta Casa são sérias”, disse May, em pronunciamento, logo após o anúncio do resultado. “Temo que estejamos alcançando o limite deste processo [de extração da UE].”
A líder conservadora lembrou que os deputados rechaçaram o ‘no deal’ [saída abrupta, sem acordo] e a revogação do brexit, assim como todas as variações do pacto postas na mesa [em votação indicativa realizada na última quarta].
Apesar disso, insistiu ela, “este governo continuará defendendo uma saída ordenada, conforme o resultado do plebiscito [de junho de 2016] demanda”. A frase sinaliza a disposição de May em evitar uma ruptura litigiosa em 12 de abril.
De seu lado, a Comissão Europeia (braço executivo da UE) afirmou, em comunicado, que o “no deal” é agora uma hipótese realista e que o bloco está pronto para enfrentar um eventual rompimento a seco.
O presidente do Conselho Europeu, colegiado que reúne presidentes e primeiros-ministros dos 28 países-membros do consórcio, convocou uma reunião de emergência para 10 de abril, dois dias antes da expiração do novo prazo para o adeus britânico.
Na esteira da votação, a libra recuou à sua pior marca frente ao dólar desde o último dia 11. 
Como última cartada para tentar emplacar o pacto negociado com a UE ao longo de 17 meses, a chefe de governo havia decidido só levar a votação o termo de separação, calhamaço de 600 páginas dotado de valor legal.
Nele estão fixados a multa de 39 bilhões de libras (R$ 202 bilhões) a ser paga por Londres pelo desligamento e a cartilha recíproca de direitos para cidadãos britânicos na UE e para europeus no Reino Unido, além do chamado período de transição pós-brexit.
Durante esse último, que se estenderia ao menos até o fim de 2020, os britânicos permaneceriam no mercado comum e na união aduaneira da UE, mas sem poder de voto nos colegiados continentais.
O termo de separação também inclui a cláusula que fez todo o pacote parecer intragável para uma ala do Partido Conservador de May e para o Partido Democrático Unionista, da Irlanda do Norte, legenda que, apesar de diminuta (controla dez assentos na Câmara dos Comuns), é essencial para a composição do bloco governista no Legislativo.
A discórdia se deu em torno do mecanismo criado para evitar o restabelecimento do controle de pessoas e mercadorias na fronteira entre a República da Irlanda (país-membro da UE) e a Irlanda do Norte (que integra o Reino Unido), 20 anos após um acordo de paz que encerrou três décadas de conflito no Norte entre unionistas (pró-Londres) e nacionalistas (pró-reunificação irlandesa).
A ideia é estabelecer temporariamente uma união aduaneira cobrindo Reino Unido e UE, caso os termos da relação comercial futura entre as partes não estejam definidos até seis meses antes do fim do período de transição –ou seja, até julho de 2020.
O grupo que se opõe à medida sustenta que ela deixaria Londres sob o guarda-chuva de entidades europeias por tempo indefinido.
Para tentar angariar o apoio da principal força de oposição, o Partido Trabalhista, cujas críticas ao pacote do brexit se concentram na declaração política sobre as linhas mestras da relação comercial futura entre britânicos e europeus, o governo May decidiu deixar esse segundo texto (de menos de 20 páginas, e sem valor legal) fora da votação de sexta. Não adiantou.
Após o terceiro revés da proposta, o líder opositor Jeremy Corbyn disse que o acordo precisa mudar –ou, alternativamente, a primeira-ministra deve entregar o cargo e convocar eleições gerais.
O “fatiamento” do pacto foi o expediente encontrado por May para driblar o veto do presidente da Câmara, John Bercow, a uma nova apreciação pelo plenário.
Ele havia argumentado que o regimento interno proibia duas consultas sobre a mesma proposta –houvera diferenças, ainda que cosméticas, entre os textos submetidos em janeiro e na primeira quinzena de março, momentos das votações anteriores.       
Antes de descolar o termo de separação da declaração política sobre a relação comercial futura com a UE, May tinha recorrido a outra manobra extrema para aumentar a adesão a sua versão do brexit: prometera entregar o posto de primeira-ministra se o Parlamento aprovasse o pacote.
Entre votações do plano de May, dos próximos passos a seguir diante de sua recusa e de alternativas concretas a ele (como uma união aduaneira permanente entre europeus e britânicos), os deputados já foram convocados a se pronunciar sobre o brexit dez vezes desde o começo de 2019.
Na segunda (1º), o plenário deve acolher uma nova bateria de votos indicativos. O intuito, mais uma vez, é ver se alguma opção ao brexit de May obtém a chancela da maioria dos parlamentares. Na primeira bateria, na quarta (27), nenhuma das oito proposições emplacou.

Lucas Neves, Folha de São Paulo