sexta-feira, 29 de março de 2019

Renda da Venezuela com petróleo cai a 1/4 em 5 anos e volta ao nível de 1942

Os números são alarmantes, e economistas locais falam num colapso generalizado que é condição necessária — mas não suficiente — para acelerar uma eventual saída do presidente Nicolás Maduro do poder. A renda da Venezuela por suas exportações de petróleo, pilar da economia nacional, despencou 75% nos últimos cinco anos, passando de US$ 64 bilhões para uma projeção de apenas US$ 16 bilhões este ano. 

Em termos de produção, a retração, no mesmo período, foi de 65%, caindo de 2,2 milhões de barris diários para em torno de um milhão. O país voltou, segundo analistas locais ouvidos pelo GLOBO, aos níveis de 1942.

O cenário é dramático e, embora não seja consequência das sanções aplicadas em janeiro pelo governo americano, tende a agravar-se pela asfixia que provocam as medidas adotadas pelos EUA. Na primeira quinzena deste mês, a empresa de consultoria local Ecoanalítica calcula que a Venezuela deixou de exportar 572 mil barris/ dia de petróleo. Deste total, 451 mil teriam sido destinados ao mercado americano. Limitado pelas sanções, apontou o economista Alejandro Grisanti, da Ecoanalítica, “Maduro não tem conseguido novos mercados para o petróleo” porque “países como a Índia têm interesse, mas temem retaliações”.
— Hoje, exportamos 650 mil barris diários; há cinco anos, eram 2,2 milhões. A crise do setor é muito anterior às sanções, mas é claro que elas complicam ainda mais o panorama, sobretudo pela dificuldade de encontrar novos compradores — explicou o economista.
Os dramáticos apagões nas últimas duas semanas que, segundo projeções, custam US$ 200 milhões diários à economia, só acentuaram uma crise inédita do sistema petroleiro. Entre 2014 e 2019, estima-se que a Venezuela deixou de produzir 1,7 milhão de barris/dia. Em alguns estados a produção está hoje praticamente parada por falta de energia elétrica.
— A gestão de nossa indústria petroleira está em mãos de militares há anos e tem sido desastrosa — enfatizou Grisanti.
Segundo informações extraoficiais divulgadas ontem, o Departamento de Estado dos EUA ameaçou empresas do setor com sanções caso realizem qualquer operação com a estatal Petróleos da Venezuela (PDVSA). O cerco se fecha cada vez mais, e a pergunta que não quer calar é como faz Maduro para sustentar-se no poder com recursos econômicos cada vez mais escassos.
— Com o monopólio da violência, usando tropas de choque oficiais e paraoficiais — respondeu o economista Francisco Faraco, da Faraco e Associados.
PRODUÇÃO DE PETRÓLEO DA VENEZUEL
2,36
2,37
2,35
2,33
2,01
1,60
1,15
Jan/2013
Jan/2014
Jan/2015
Jan/2016
Jan/2017
Jan/2018
Jan/2019
Fonte: Ecoanalítica
O presidente continua tendo como compradores do petróleo venezuelano basicamente China e Índia. Mas a renda é cada vez menor, entre outras razões porque, no caso dos chineses, pagam-se valores muito abaixo do preço de mercado e, muitas vezes, a Venezuela não recebe nada, pois o petróleo é entregue como pagamento de dívidas. De acordo com os economistas ouvidos, o petróleo comprado a valores depreciados é vendido a outros mercados.
— Nosso país está em ruínas, e o setor petroleiro é um dos mais afetados. A produção de petróleo é altamente demandante de energia elétrica, e os apagões estão causando estragos incalculáveis — comentou o economista e deputado José Guerra, um dos autores do Plano País apresentado pelo presidente da Assembleia Nacional (AN), Juan Guaidó, por ela proclamado “presidente interino” do país.
Ontem, a Justiça controlada por Maduro inabilitou Guaidó para disputar cargos públicos por 15 anos, o que na prática nada muda nos planos da oposição. Ninguém imagina na Venezuela uma eleição presidencial com o chavismo no poder. Guaidó traçou um plano de voo que tem como primeira fase justamente o que ele chama de “fim da usurpação”, ou seja, o fim do chavismo no comando do país.
Com enormes incertezas políticas e especulações sobre a finalidade da presença de militares russos no país, a economia venezuelana se desmorona. De acordo com Grisanti, o país vive “a maior crise da História do mundo”, superando “até mesmo a depressão americana”.
— Nossa depressão já é cinco vezes maior do que a vivida pelos argentinos no começo deste século. Somos o único país que destruiu 60% de sua economia sem ter passado oficialmente por uma guerra civil — lamentou o economista.

Inflação de 10.000.000%

Nas redes sociais, os venezuelanos informam sobre pacientes que morrem em hospitais pela falta de energia elétrica e médicos que operam usando a luz do celular. São dramas e mais dramas ao redor de um país que se desintegra e está perdendo sua principal fonte de riquezas em ritmo acelerado.
— Chávez comprou termoelétricas e construiu represas, mas nada disso foi bem feito e muito menos bem preservado. Houve muita corrupção, e hoje estamos pagando as consequências — apontou Faraco.
Nos últimos anos a economia venezuelana caiu, em média, 15% ao ano, e a inflação estimada por analistas para 2019 é de 10.000.000%.
— No país do petróleo estamos fazendo, em Caracas, filas de até uma hora para encher o tanque. Em outras cidades, as pessoas esperam até quatro horas. A gasolina é quase de graça, mas o sistema está em colapso, como o resto da economia, pela crise elétrica — concluiu o economista.

Janaína Figueiredo, O Globo