Janaína Figueiredo - O Globo
Casa Rosada disse que leiloaria empresas do grupo, por não se adequar à Lei de Meios
BUENOS AIRES - A decisão da Casa Rosada de avançar no processo de adequação compulsória do grupo Clarín à Lei de Meios, anunciada pela Autoridade Federal de Serviços Audiovisuais (AFCSA) no início deste mês, foi condenada pelo Foro Iberoamérica, em reunião esta semana, no México. O Foro, integrado por ex-presidentes como Fernando Henrique Cardoso, Ricardo Lagos (Chile), Felipe González (Espanha) e Julio Sanguinetti (Uruguai), além de importantes acadêmicos e empresários, expressou sua preocupação “diante de um novo avanço do governo argentino contra a livre expressão de ideias e pluralidade de vozes”.
Na primeira semana de outubro, o diretor da AFCSA, o kirchnerista Martin Sabatella, confirmou a decisão do organismo de rechaçar o plano de adequação voluntária apresentado pelo Clarín há cerca de um ano. O organismo ainda não informou que licenças atualmente em poder do grupo serão leiloadas e transferidas posteriormente a outros empresários. No entanto, fontes do Clarín disseram que o processo poderia envolver, entre outros meios, a emissora de rádio Mitre e o canal “13” de TV aberta, duas das empresas mais populares do grupo, onde trabalha, entre outros, o jornalista Jorge Lanata, famoso por ter denunciado graves casos de corrupção do governo kirchnerista.
O grupo já recorreu à Justiça, por considerar que a atuação da AFCSA é “arbitrária” e “discriminatória”.
— Quando a Corte Suprema de Justiça determinou que a Lei de Meios era constitucional, no ano passado, fez várias exigências, que o governo não está cumprindo, por isso fomos novamente à Justiça — explicou ao GLOBO o gerente de Comunicações do grupo, Martin Etchevers.
Segundo ele, a AFCSA não está aplicando a lei de forma igualitária; o organismo não é neutro e independente; a distribuição da publicidade oficial não é igualitária e os meios de comunicação estatais não são públicos e sim governamentais.
— As quatro condições impostas pela Corte não estão sendo cumpridas — frisou o gerente do Clarín.
Nas últimas semanas, o grupo obteve o respaldo de importantes dirigentes da oposição, entre eles o chefe de governo da cidade de Buenos Aires, Mauricio Macri, e o deputado Sergio Massa, ex-chefe de gabinete de Cristina. Por iniciativa da vereadora portenha Graciela Ocana, também ex-ministra kirchnerista, esta semana a Assembleia Legislativa da capital argentina votou a favor de uma declaração que expressa a preocupação das bancadas opositoras pela "inapropriada e arbitrária aplicação da Lei de Meios".
A AFCSA assegura que existem vínculos societários entre as pessoas que o Clarín pretendia colocar à frente das seis unidades de negócios em que seria dividido o grupo, se o plano de adequação voluntária tivesse sido aprovado. Esse foi o argumento usado para rechaçar a proposta do grupo. Em comunicado oficial, o Clarín negou as acusações de Sabatella e acusou o governo da presidente Cristina Kirchner de estar comandando “um novo avance ilegal para se apropriar de meios”. A decisão de submeter o grupo a um processo compulsório de adequação foi aprovada por uma maioria de cinco membros kirchneristas da diretoria do AFCSA, de um total de sete diretores. Os dois membros de partidos opositores acusaram Sabatella de não ter dado tempo aos integrantes da diretoria para analisar o caso.
O grupo assegurou que “todas as manifestações realizadas por Sabatella são deliberadamente falsas e podem ser desmentidas pela própria realidade”. O Clarín, disse o comunicado, sofre “uma perseguição inédita do governo, contra todas as vozes dissidentes”.
O temor entre jornalistas e empresários do setor é de que os novos donos das licenças que hoje estão em poder do Clarín sejam pessoas alinhadas com o kirchnerismo, o que terminaria aumentando a concentração de meios de comunicação próximos ao governo da presidente Cristina Kirchner.
— Se estiverem cumprindo com o serviço, os atuais titulares (das licenças do Clarín) continuarão até que sejam convocadas as licitações — antecipou Sabatella.
Representantes do Clarín também questionaram o projeto de uma nova Lei de Telecomunicações, apresentado esta semana pelo kirchnerismo no Parlamento. De acordo com o documento, empresas de telecomunicações poderão ter, também, meios de comunicações, possibilidade negada pela Lei de Meios. Assim, se o projeto for aprovado sem modificações, a Telefonica não deverá vender o canal de TV Telefe, um dos de maior audiência no país, como previa a Lei de Meios.
— Nós somos perseguidos, não temos direito a nos defender, e outros grupos, como a Telefonica, claramente alinhados com o governo, são protegidos — assegurou Etchevers.
O grupo Clarín não sabe quando começará o processo de adequação compulsória à Lei de Meios, também denunciando recentemente pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), mas segundo rumores que circularam nos últimos dias, a intenção de Sabatella (que gosta de definir-se como um soldado de Cristina) é convocar as licitações em novembro.