sexta-feira, 31 de outubro de 2014

"Anemia do crédito, engorda de juros", por Vinicius Torres Freire

Folha de São Paulo

O crédito míngua. O total de dinheiro emprestado pelos bancos privados encolheu de novo em setembro. Desconsiderados os empréstimos com dinheiros bancados ou regulados pelo governo, o total de crédito também encolheu (em relação a setembro de 2013, descontada a inflação).

O pessoal do Bradesco, que divulgou balanço ontem, diz que o crédito no banco vai acelerar neste trimestre final do ano.

No Bradesco, o total de crédito cresceu nos últimos 12 meses (0,9% em termos reais, ante queda de 1,9% no conjunto dos bancos privados), assim como no Itaú. 

O banco estima ainda que a alta da taxa de juros não deve chegar à clientela.

Na quarta-feira, o Banco Central elevou a Selic de 11% ao ano para 11,25% ao ano. Mas a campanha de alta de juros do BC não deve parar por aí.

Enfim, o Bradesco lucrou bem no ano, R$ 11,23 bilhões, 24,7% mais que no mesmo período de 2013 (uns 17% de alta, em termos reais). Mesmo com o total de empréstimos crescendo quase nada.

Nos bancos públicos, a história é diferente. O total de dinheiro emprestado ("estoque de crédito") cresceu 9,9% em 12 meses, segundo relatório do BC divulgado ontem.

Prossegue a estatização informal do crédito. No início do governo Dilma Rousseff, os bancos públicos detinham cerca de 41% do crédito. Em setembro passado, 53,2%. Graças ao espírito pau na máquina da banca estatal, o total de dinheiro emprestado acabou subindo 4,6% nos últimos 12 meses.

SURPRESA NO BC

O BC elevou os juros na quarta-feira. Se o fez, não deve parar por aí. O chute educado agora é que a Selic aumente quatro vezes, até 12%, a depender do dólar, de aumentos de combustíveis, ônibus, trem, luz, de impostos e do efeito da seca.

No texto em que informou a decisão, o pessoal do BC diz que "a intensificação dos ajustes de preços relativos", "entre outros fatores", provocou o risco de inflação mais alta adiante. Ou seja, alguns grupos de preços passaram a correr mais que outros de modo a causar encrenca para a inflação.

Que preços "relativos"? Por exemplo, os domésticos e os cotados no mercado internacional -dólar mais alto encarece tais produtos etc.

No Relatório de Inflação (trimestral) de setembro, as projeções básicas do BC levavam em conta dólar a R$ 2,25 e Selic a 11%, com o que se estimava que o IPCA cairia para 5,8% no final de 2015 e para 5% em setembro de de 2016.

Bem, o dólar neste mês foi a R$ 2,44, perto do nível de agosto de 2013, quando, aliás, o BC voltara a intervir no mercado.

Os preços "administrados" (regulados pelos governos) aceleraram no ano e podem subir mais, pós-eleição. Subiam ao ritmo anual de 2,1% em janeiro. De 3,9% em junho. De 5,3% em setembro. Os "administrados", pois, subiam bem menos que a inflação dos preços livres (de 6,7% em janeiro; de 7,2% em setembro).

A inflação de serviços, a vilã, continua flutuando em torno de 8,5%, média dos anos Dilma, ante 6,7% do IPCA.

O BC acha que o dólar vai ficar em degrau mais alto? Acha que os "administrados", que vêm acelerando, vão ganhar outro impulso? Parece.