sexta-feira, 31 de outubro de 2014

"Juros básicos subiram por falta de alternativa", editorial de O Globo

Com tantas pressões inflacionárias latentes e sem a contribuição necessária da política fiscal, não restou ao Banco Central outra saída senão a de elevar a taxa Selic


Com a inflação acumulada em doze meses se mantendo acima do teto (6,5%) da meta estabelecida pelo próprio governo, o Banco Central não poderia mesmo ficar de braços cruzados esperando uma contribuição, que nunca vem, da política fiscal, para conter a alta de preços. Na noite de quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) surpreendeu a todos ao elevar em 0,25 ponto percentual a taxa básica de juros, para 11,25%, receoso de que uma conjugação de fatores possa pressionar ainda mais a inflação em 2015.

O clima de fato não vem ajudando, com a escassez de chuvas persistindo em diversas regiões produtoras de alimentos, o que tem se traduzido em encarecimento recente de vários itens que compõem a chamada cesta básica. Com o fim dos estímulos monetários que desde a crise de 2009 vinham impulsionando a economia americana, é possível que os fluxos de capitais nos mercados internacionais sofram alguma mudança mais substancial, cujo efeito sobre o câmbio no Brasil é ainda imprevisível. De qualquer forma, a tendência seria de o real continuar se desvalorizando um pouco mais, encarecendo importações e estimulando exportações, o que pode ocasionar uma redução de oferta no mercado interno.

Ou seja, mais pressões inflacionárias.

Já é líquido e certo que as contas de energia elétrica vão ficar mais salgadas no ano que vem. Reajustes nos preços dos combustíveis também são esperados, até mesmo devido à possibilidade de ser restabelecida a cobrança da Cide (contribuição recolhida ao governo federal) junto aos valores pagos pela gasolina e o óleo diesel.

A única maneira de se contrabalançar essas pressões, sem um maior aperto nos juros, seria o governo corrigir os rumos da política fiscal, fazendo com que as despesas voltassem a crescer menos que as receitas. Em consequência da realização das eleições gerais ou não, ao longo de 2014 as despesas da União aumentaram a um ritmo que correspondeu a sete vezes ao incremento da arrecadação, algo inaceitável em uma conjuntura de inflação alta.

Reeleita, os mercados esperam que a presidente Dilma anuncie medidas concretas — inclusive com nomeação de nova e melhor equipe econômica —para pôr as finanças públicas em ordem. Sem isso, a política monetária (juros) permanecerá carregando nos ombros todo o o ônus do combate à inflação, o que explica as especulações no setor financeiro sobre outras elevações nas taxas básicas de juros nas próximas reuniões do Copom. O patamar dessa taxa coloca hoje o Brasil no topo das taxas reais de juros entre as principais economias. Limitar o combate à inflação ao único instrumento que ainda resta é reconhecer a fragilidade da atual política econômica. Dilma prometeu mudanças ao país: que comece logo executando a política fiscal que o país precisa.