A derrota do decreto das comissões populares na Câmara ajuda a proteger o Legislativo de grupos que apoiam um sistema de consultas chavista-bolivariano
Primeiro fato político de peso depois das eleições, a derrota do governo Dilma e do PT na rejeição pela Câmara — a ser referendada no Senado — do decreto presidencial dos conselhos populares estava, na verdade, contratada faz tempo. Algum parlamentar insatisfeito com o tratamento recebido do Planalto e do partido da presidente nas eleições pode ter aproveitado a sessão plenária de terça para comer quente o prato da vingança, mas, desde que foi publicado em maio, o decreto 8.243 tem rejeição quase unânime no Congresso.
Partidos da oposição logo formularam uma proposta de decreto legislativo para derrubá-lo, com apoio de políticos da base do governo. E terça-feira o Congresso começou a recuperar a prerrogativa de ser o único foro de discussão e deliberação de assuntos que se refiram ao próprio regime de democracia representativa vigente no país. Se o Planalto desejar alterá-lo, que envie projeto ao Congresso.
O ministro Gilberto Carvalho, diretamente interessado naquele decreto, rebateu as críticas com o argumento de que nada de novo se instituía, apenas se ordenava o funcionamento de comissões já existentes. O ministro dissimulava. O decreto institui a “Política Nacional de Participação Social” e coloca o ministério de Carvalho à frente de uma miríade de novas comissões criadas em ministérios e empresas estatais. Todas, é claro, a serem ocupadas por representantes das chamadas “organizações sociais”, sindicatos e outras entidades companheiras.
Na verdade, o 8.243 relativiza o papel do Congresso como espaço de representação política da sociedade, transferindo parte de seu poder para essas comissões, mesmo “consultivas”. O decreto é a materialização legal da política de aparelhamento do Estado, em curso desde o primeiro governo Lula, a partir de 2003.
Manietar a democracia representativa brasileira, enquanto abre espaços crescentes para mecanismos de democracia direta no estilo chavista-bolivariano, é antigo projeto de falanges do PT. A ideia da assembleia constituinte exclusiva — rechaçada por ilegal —, desidratada para a proposta de um plebiscito para a reforma política, deriva desta obsessão de reduzir a importância do Legislativo. A própria Dilma já admite, como defendem lideranças no Congresso, inclusive o aliado Renan Calheiros, a realização de um referendo, por ser a melhor alternativa de consulta popular sobre um tema complexo como esta reforma. O Congresso discute, delibera, aprova e ouve a população, que responde “sim” ou “não”.
O sonho petista é mobilizar sindicatos, “organizações sociais” etc., para fazerem o papel de “povo” nos plebiscitos. Mas, depois do segundo turno das eleições, o trânsito desses planos golpistas na sociedade ficou ainda mais difícil, porque mais de 85 milhões não escolheram a candidata do PT — os votos concedidos a Aécio somados aos nulos, aos em branco e às abstenções. Para Dilma, foram 54,5 milhões.