Danilo Fariello e Luiza Damé - O Globo
Primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, participa de encontro com empresários dos dois países na capital federal
Governo e empresas japonesas reclamaram do ambiente de negócios brasileiro para promoção de investimentos diretos em reunião entre executivos dos dois países na manhã desta sexta-feira, em Brasília, por ocasião da visita do primeiro-ministro, Shinzo Abe, ao país. Com o retrospecto de investimentos diretos crescentes no país, que atingiram mais de US$ 35 bilhões em 2012, os japoneses apontaram necessidade de reformas desde a concessão de vistos para profissionais trabalharem aqui até a escassez de infraestrutura.
Após o encontro na Confederação Nacional da Indústria (CNI), Abe foi ao Palácio do Planalto, às 11h25, se reunir com a presidente Dilma Rousseff e ministros dos dois países. A expectativa do governo japonês é que a presidente visite o país em breve. Dilma iria ao Japão no ano passado, mas cancelou a visita por causa das manifestações que tomaram conta do país.
Na CNI, Abe citou aspectos “dormentes” na relação entre os países e, para plateia composta por integrantes da CNI e pelo Keidanren, a confederação japonesa, convocou a iniciativa privada a incentivar essas mudanças do ambiente de negócios.
- Existem vários problemas entre Brasil e Japão. Há 40 anos, essas reuniões conjuntas entre os empresários vem tratando desses problemas, mas há evolução. Que a relação entre Keidanren e a CNI seja mais franca e aprofundada. Eu gostaria que houvesse participação cada vez maior da iniciativa privada e que os níveis de discussão fossem mais elevados. É preciso mirar mais alto - disse Abe aos empresários.
O tom das declarações do primeiro ministro, bastante diferentes do discursos mais otimistas da comitiva do presidente chinês ao Brasil, há duas semanas, foi acompanhada pelos executivos japoneses presentes ao evento. Akio Mimura, presidente do conselho honorário da Nippon Steel e Sumitomo Metal Corporation, destacou, além da necessidade de melhora da infraestrutura e das condições tributárias do país, o nível atual de formação da mão de obra no Brasil.
- É preciso atuar na facilidade de emissão de vistos de trabalho e em impostos sobre transferência de tecnologia. Temos barreiras a serem transpostas - disse Takeshi Uchiyamada, presidente do conselho da Toyota, empresa que produz automóveis no país.
As declarações causaram certo desconforto entre os brasileiros presentes no evento. Na outra mão, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, disse que, no quadriênio entre 2014 e 2017, a previsão do volume de investimentos diretos japoneses no Brasil supera em 35% o valor realizado no período de quatro anos encerrado em 2013.
- Não obstante no curto prazo incertezas passageiras possam postergar determinadas decisões, o fato é que os planos de investimentos de médio e longo prazo são firmes e mantidos segundo perspectiva muito apurada do BNDES, no seu papel de principal financiador de longo prazo do Brasil - disse Coutinho durante a reunião.
O Japão, primeiro país a construir um trem de alta velocidade no mundo, já teve uma intenção firme de participar da concessão do trem-bala brasileiro que ligaria São Paulo ao Rio, mas que, anunciado há mais de cinco anos, nunca se tornou realidade.
Rebatendo as críticas japonesas, Luiz Fernando Furlan, presidente do conselho da BRF e ex-ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), lembrou que o Brasil havia firmado um acordo para que o Japão adotasse o etanol como parte da mistura da gasolina usada em automóveis no país, o que já foi aprovado como lei no Japão, mas em caráter opcional, que nunca foi adotado na prática. Ele destacou que os carros japoneses vendidos no Brasil usam o etanol em seu discurso durante o evento.
Furlan lembrou, ainda, que, apesar de o Brasil ser o maior fornecedor de carne de frango ao Japão, paga uma alíquota de importação para os produtos in natura de 11,9%, enquanto que o México paga 7,1% e a Tailândia paga 3% para exportar frango cozido para aquele país. Além disso, só no ano passado o Japão passou a aceitar a carne suína exportada pelo Brasil.
- Me irrita muito quando alguém de fora vem aqui fazer críticas ao nosso sistema e não vê suas barreiras - reconheceu Furlan a jornalistas após o evento.
Sobre as críticas dos japoneses ao ambiente de negócios brasileiro, Murilo Ferreira, presidente da Vale - que tem participação de empresas japonesas em seu capital e sociedades em subsidiárias - disse que temos problemas, assim como eles e que não viu os apontamentos como um aspecto negativo.
- Na nossa vida, nossa experiência diz o seguinte: sempre que você dá dois passos, você encontra alguma coisa que tem de ser feita a frente. Eu acho que não temos que analisar dessa forma, mas temos de analisar o que temos de fazer melhor, para que o caminho seja mais facilitado. Eu não vi isso como um aspecto negativo, eu vi como alguma coisa que devemos remover. Nós mesmo sabemos das dificuldades que temos no Brasil, assim como eles têm. Se você estiver no Japão, numa reunião como essa, vão falar muito na burocracia, a política macroeconômica antes de Abe, isso é natural. São refinamentos, melhorias, o importante é caminharmos na direção correta.
Ferreira lembrou que a Vale tem novas parcerias com empresas daquele país para investimentos em Moçambique, especialmente na construção de uma ferrovia para exportar alimentos pelo corredor de Nacala e na construção de um porto de águas profundas.
- Para se ter uma ideia da transformação, Moçambique vai imediatamente deixar de ser importador de alimentos para ser exportador de alimentos - disse Ferreira.
Neste sábado, o primeiro-ministro irá para São Paulo, onde terá encontros com a comunidade nipo-brasileira e participará de evento empresarial.
As relações Brasil-Japão completarão 120 anos em 2015. O Japão é o mais tradicional parceiro do Brasil na Ásia e sexto sócio comercial no mundo. Em 2013, o comércio bilateral entre Brasil e Japão foi de US$ 15 bilhões.
Abe também se encontrou ex-jogadores brasileiros que atuaram no país, o técnico da seleção brasileira, Dunga.