O Globo
Enquanto o governo fechava 12 leitos hospitalares por dia no Sistema Único de Saúde, um a cada duas horas, o setor privado abria nove por dia, um a cada duas horas e meia
A percepção de que a Saúde é o maior problema brasileiro está estampada em todas as recentes pesquisas de opinião. Em dezembro o Ibope confirmou a impressão coletiva ao entrevistar 15.414 eleitores em 727 municípios: 58% criticaram a política de saúde pública — a taxa de reprovação foi recorde no Rio Grande do Norte (73%), Distrito Federal (72%), Mato Grosso do Sul e Pará (70%). No Palácio do Planalto, porém, prevalece uma visão diferente.
Sete em cada dez brasileiros dependem integralmente da rede pública de serviços de saúde, que perdeu 11.576 leitos hospitalares no período entre janeiro de 2011 e agosto do ano passado. Ou seja, o governo Dilma Rousseff passou os primeiros 30 dos seus 48 meses de mandato desativando 12 leitos hospitalares por dia — em média, um a cada duas horas. “Houve uma redução da quantidade de todas as especialidades de leitos de internação, com exceção dos leitos localizados em hospitais-dia”, atesta o Tribunal de Contas da União.
Enquanto isso, o setor privado recebeu estímulos para aumentar o número de leitos disponíveis a quem tem dinheiro para pagar um plano de saúde, com direito à internação hospitalar. Foram criadas 8.349 vagas nesse período, destinadas às pessoas que não dependem do SUS (um em cada quatro brasileiros). Na média, foram abertos nove novos leitos particulares por dia — um a cada duas horas e meia.
Técnicos do Tribunal de Contas passaram os últimos 12 meses examinando o financiamento e o desempenho do Sistema Único de Saúde. Visitaram 116 hospitais com 27.614 leitos (8% do total disponível no SUS), e em todo o país entrevistaram gestores, representantes do Judiciário e dos conselhos profissionais. O relatório recém-concluído tem 200 páginas com um inédito diagnóstico dos serviços do SUS. Sua leitura conduz a uma conclusão: falta governo na saúde pública.
Em 67% dos estados a quantidade de leitos para a massa dependente da rede pública (2,29 para cada mil habitantes) é inferior ao mínimo recomendado pelo próprio governo (2,5 por mil).
A superlotação virou parte da paisagem. Do Rio Grande do Sul ao Amapá, os técnicos do TCU encontraram corredores de hospitais atulhados de pacientes em macas. Contaram mais de 2.700 leitos interditados em 116 hospitais por falta de enfermeiros e de serviços de apoio. Anotaram: “Gestores de 85 unidades hospitalares (73% do total) afirmaram que a estrutura física dessas unidades não era adequada ao atendimento” — projeto arquitetônico ruim e estruturas antigas que impedem instalação de equipamentos comprados.
A desorganização começa na compra de medicamentos. Entre os 50 mais adquiridos no país, 43 têm preços acima da média internacional. Avança com a leniência na cobrança das dívidas privadas acumuladas com o SUS: de cada R$ 100 que o setor público gasta com clientes dos planos de saúde, o governo só consegue receber R$ 2,4. E vai ao desperdício de dinheiro em projetos como o do Cartão SUS. Gastou-se R$ 255 milhões nos últimos dez anos, parte em “pagamentos estranhos”. Restou um cadastro de endereços de usuários.
Para candidatos que queiram entender a angústia e a esperança dos eleitores no resgate do sistema público de saúde, o estudo do TCU pode ser um bom começo. Está na rede do tribunal, sob o título “Fiscsaúde”.