terça-feira, 29 de abril de 2014

"Lavando dinheiro público", editorial do Estadão

Uma amostra, apenas uma amostra, do que se faz com o dinheiro do contribuinte no Brasil - quando os que deviam zelar por ele estão olhando para o outro lado ou fingem manter os olhos bem fechados enquanto as lambanças correm soltas no seu campo de visão - está no relatório da Polícia Federal (PF) sobre a evasão de divisas em escala industrial para a qual foi usado o Laboratório Labogen.

Trata-se de uma das tantas firmas de fachada abertas pelo megadoleiro Alberto Youssef para que pudesse aprimorar o exercício de sua especialidade.

O seu nome veio a público pela primeira vez no curso da CPI do Banestado que, entre 2002 e 2004, apurou a remessa ilegal de cerca de R$ 30 bilhões para o exterior pelo clássico método do dólar cabo, a transferência virtual de valores.

Antes de ser preso e indiciado - assim como o seu colaborador próximo Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás -, Youssef havia modernizado a sua atividade. A quebra do sigilo bancário e fiscal do Labogen, no âmbito da Operação Lava Jato, da PF, evidenciou que, entre janeiro de 2009 e dezembro de 2013, a firma assinou 1.945 contratos de câmbio em nome de duas coligadas, que também levam o seu nome, para importações fictícias de medicamentos.

Com isso, Youssef pôde transferir para seus cúmplices em Hong Kong e Taiwan US$ 113,3 milhões. Pelas contas da Procuradoria-Geral da República, foi mais.

No mesmo período, as contas de três outras empresas - Hmar Consultoria em Informática, GFD Investimentos e Piroquímica Comercial - foram usadas por Youssef para despachar recursos obtidos de negócios superfaturados com órgãos públicos. Graças a 991 contratos mutretados de câmbio, desovaram no estrangeiro outros US$ 71 milhões.

A rede de lavanderias de Youssef terá movimentado ao todo R$ 10 bilhões, informou a Polícia Federal quando ele foi preso, em 17 de março último. Na semana passada, o doleiro foi acusado formalmente de ter usado o Labogen e similares de fachada para tirar clandestinamente do País US$ 444,7 milhões. Essa informação foi até certo ponto ofuscada pela divulgação de mensagens monitoradas pela PF entre ele e o deputado André Vargas, eleito pelo PT paranaense.

Na mais bombástica do lote, de novembro de 2013, o parlamentar escreveu ao cambista que o então ministro da Saúde, Alexandre Padilha, pré-candidato ao governo paulista, sugeriu o nome de um executivo para trabalhar no Labogen.

O indicado, Marcus Cezar Ferreira da Silva, tinha sido nomeado em 2011 coordenador de promoção e eventos da pasta. Padilha negou ter parte com a história e anunciou que interpelará o deputado na Justiça. Ele, por sua vez, foi pressionado a sair do PT.

Só que Marcus Cezar está de fato no Labogen desde o ano passado, informa a Folha de S.Paulo. Ganha R$ 25 mil mensais para fazer lobby. Para a PF, o operador e testa de ferro da firma é o administrador Leonardo Meirelles. O relatório policial equipara a atuação do laboratório-lavanderia a uma "ferramenta para sangria dos cofres públicos".

A Procuradoria é mais específica. Atribui a Youssef e ao ex-petroleiro Paulo Roberto Costa a prática de lavagem de dinheiro ilícito arrecadado mediante esquemas de corrupção e peculato (apropriação de recursos por funcionário da administração direta ou indireta).

A cena do crime seriam as obras da inacabada Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, de cujas contas superfaturadas Costa teria extraído R$ 7,95 milhões em propinas. A instalação tinha sido orçada em US$ 2,3 bilhões. Não sairá por menos de US$ 20 bilhões.

"Caracterizada pela divisão formal de tarefas", afirma a Procuradoria, o Labogen tinha por objetivo "obter, direta ou indiretamente, vantagem indevida derivada dos crimes de peculato, corrupção ativa e corrupção passiva e lavagem de dinheiro em detrimento da Petrobras".

Nessa e em outras áreas, wheeler-dealers como Youssef e seus indispensáveis parceiros no Executivo, no Congresso e nas estatais fazem parte das tantas engrenagens responsáveis pelo crescimento criminoso do custo e da eternização das obras públicas no País. Sem falar na sonegação de tributos por negociantes inescrupulosos. Ao Estado resta pouco mais do que correr atrás do prejuízo.