Uma amostra, apenas uma amostra, do que se faz com o dinheiro do contribuinte
no Brasil - quando os que deviam zelar por ele estão olhando para o outro lado
ou fingem manter os olhos bem fechados enquanto as lambanças correm soltas no
seu campo de visão - está no relatório da Polícia Federal (PF) sobre a evasão de
divisas em escala industrial para a qual foi usado o Laboratório Labogen.
Trata-se de uma das tantas firmas de fachada abertas pelo megadoleiro Alberto
Youssef para que pudesse aprimorar o exercício de sua especialidade.
O seu nome
veio a público pela primeira vez no curso da CPI do Banestado que, entre 2002 e
2004, apurou a remessa ilegal de cerca de R$ 30 bilhões para o exterior pelo
clássico método do dólar cabo, a transferência virtual de valores.
Antes de ser preso e indiciado - assim como o seu colaborador próximo Paulo
Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás -, Youssef havia
modernizado a sua atividade. A quebra do sigilo bancário e fiscal do Labogen, no
âmbito da Operação Lava Jato, da PF, evidenciou que, entre janeiro de 2009 e
dezembro de 2013, a firma assinou 1.945 contratos de câmbio em nome de duas
coligadas, que também levam o seu nome, para importações fictícias de
medicamentos.
Com isso, Youssef pôde transferir para seus cúmplices em Hong Kong
e Taiwan US$ 113,3 milhões. Pelas contas da Procuradoria-Geral da República, foi
mais.
No mesmo período, as contas de três outras empresas - Hmar Consultoria em
Informática, GFD Investimentos e Piroquímica Comercial - foram usadas por
Youssef para despachar recursos obtidos de negócios superfaturados com órgãos
públicos. Graças a 991 contratos mutretados de câmbio, desovaram no estrangeiro
outros US$ 71 milhões.
A rede de lavanderias de Youssef terá movimentado ao todo R$ 10 bilhões,
informou a Polícia Federal quando ele foi preso, em 17 de março último. Na
semana passada, o doleiro foi acusado formalmente de ter usado o Labogen e
similares de fachada para tirar clandestinamente do País US$ 444,7 milhões. Essa
informação foi até certo ponto ofuscada pela divulgação de mensagens monitoradas
pela PF entre ele e o deputado André Vargas, eleito pelo PT paranaense.
Na mais
bombástica do lote, de novembro de 2013, o parlamentar escreveu ao cambista que
o então ministro da Saúde, Alexandre Padilha, pré-candidato ao governo paulista,
sugeriu o nome de um executivo para trabalhar no Labogen.
O indicado, Marcus
Cezar Ferreira da Silva, tinha sido nomeado em 2011 coordenador de promoção e
eventos da pasta. Padilha negou ter parte com a história e anunciou que
interpelará o deputado na Justiça. Ele, por sua vez, foi pressionado a sair do
PT.
Só que Marcus Cezar está de fato no Labogen desde o ano passado, informa a
Folha de S.Paulo. Ganha R$ 25 mil mensais para fazer lobby. Para a PF, o
operador e testa de ferro da firma é o administrador Leonardo Meirelles. O
relatório policial equipara a atuação do laboratório-lavanderia a uma
"ferramenta para sangria dos cofres públicos".
A Procuradoria é mais específica.
Atribui a Youssef e ao ex-petroleiro Paulo Roberto Costa a prática de lavagem de
dinheiro ilícito arrecadado mediante esquemas de corrupção e peculato
(apropriação de recursos por funcionário da administração direta ou indireta).
A
cena do crime seriam as obras da inacabada Refinaria Abreu e Lima, em
Pernambuco, de cujas contas superfaturadas Costa teria extraído R$ 7,95 milhões
em propinas. A instalação tinha sido orçada em US$ 2,3 bilhões. Não sairá por
menos de US$ 20 bilhões.
"Caracterizada pela divisão formal de tarefas", afirma a Procuradoria, o
Labogen tinha por objetivo "obter, direta ou indiretamente, vantagem indevida
derivada dos crimes de peculato, corrupção ativa e corrupção passiva e lavagem
de dinheiro em detrimento da Petrobras".
Nessa e em outras áreas,
wheeler-dealers como Youssef e seus indispensáveis parceiros no Executivo, no
Congresso e nas estatais fazem parte das tantas engrenagens responsáveis pelo
crescimento criminoso do custo e da eternização das obras públicas no País. Sem
falar na sonegação de tributos por negociantes inescrupulosos. Ao Estado resta
pouco mais do que correr atrás do prejuízo.