Se destituída, Dilma fica inelegível, sem foro especial e sob investigação criminal. O sucessor Temer será um presidente ‘sub judice’ por iniciativa do seu principal aval
Alguns protagonistas da política estarão em novas posições depois de amanhã, quando setembro chegar, se confirmadas as previsões sobre o julgamento político de hoje no Senado. Destituída da Presidência, Dilma Rousseff fica inelegível pelos próximos oito anos, até os 76 de idade. Volta à planície dos cidadãos, agora sem foro privilegiado e sob investigação criminal. Terá a companhia do antecessor Lula, que em outubro completa 70 anos.
Ambos são personagens de inquérito conduzido pelo juiz Teori Zavascki, do Supremo, por suspeita de obstrução à Justiça na apuração de crimes de corrupção na Petrobras. Michel Temer deixa a presidência interina para virar sucessor definitivo. Será, no entanto, um presidente “sub judice”, dependente de uma decisão da Justiça sobre o seu mandato. Isso porque o impeachment não afeta o processo em curso para impugnação da chapa DilmaTemer.
Eles foram acusados por abuso de poder, uso da máquina estatal e financiamento ilícito na campanha de 2014. Deposta da Presidência, Dilma sai desses autos. Temer passa a ser o único réu. Por ironia, a iniciativa judicial foi do PSDB, hoje principal avalista do governo Temer no Congresso. O vice se defendeu, em abril, cinco semanas antes de a Câmara afastar a presidente. Pediu julgamento separado das contas de campanha. Sendo individuais, argumentou, ele não poderia responder por eventuais crimes de Dilma.
Juízes do TSE identificam problemas. Um deles é a jurisprudência estabelecida, contrária a julgamentos separados de contas de candidatos da mesma chapa. Outro está na defesa em conjunto apresentada por Temer e Dilma ao tribunal, em 2015, com a mesma argumentação. Assim, acrescentam, existiriam em tese poucas chances de Temer não ser condenado. Pelo rigor da lei, ele precisaria demonstrar que não foi beneficiário direto de ilegalidades provadas. E atestar uma suposta “irrelevância” na contribuição do vice à eleição do presidente — ou seja, mostrar que o PMDB não influenciou na votação dos seus candidatos em 2014.
A decisão do tribunal eleitoral está prevista para o início do ano que vem. Será um marco na gestão do juiz-presidente do TSE, Gilmar Mendes, tanto pelo caráter inédito quanto pelas consequências. Definirá se Temer cumpre o restante do mandato, até dezembro de 2018. Ou, então, se perde a presidência e se aposenta da política, por estar inelegível até completar 83 anos. Como resultado, abriria caminho para o Congresso escolher um dos seus para mandato-tampão até à eleição seguinte.
Essa seria outra amarga ironia: a cassação da presidente e do vice eleitos pelo voto direto conduziria à eleição indireta num Legislativo atropelado por múltiplos inquéritos sobre corrupção e pela desconfiança dos eleitores — apenas dois em cada dez dizem confiar na instituição, informa o Ibope. Visto de hoje, o futuro parece mais favorável a Temer do que a Dilma. Tendo êxito na recupera- ção da economia, possivelmente contará com a indulgência característica das cortes onde juízes são políticos vestidos de toga.
É o cenário da República para quando setembro vier, depois de amanhã — descontado o imponderável, aquilo que se convencionou chamar de Lava-Jato.