A história vive atrás de algo capaz de resumir uma época, seja a delação da Odebrecht ou a fatura do cartão de crédito internacional da mulher de Eduardo Cunha. Os brasileiros do futuro talvez escolham como um desses momentos marcantes a presença de Lula nas galerias do Senado como espectador do discurso de autodefesa de Dilma Rousseff no processo de impeachment.
Dirão que foi um momento histórico porque, assim como seu governo já tinha cronologicamente acabado em dezembro de 2010, só então, cinco anos e meio depois de Lula ter usado sua superpopularidade para içar um poste à poltrona de presidente da República, o mito foi mesmo enterrado.
Depois de passar à história como primeiro presidente a fazer a sucessora duas vezes, Lula se reposiciona diante da posteridade como um criador que foi desfeito pela criatura. Hoje, o impeachment é visto como um pesadelo do qual Dilma tenta acordar. No futuro, dirão que a deposição de Dilma foi uma trama de Lula contra si mesmo.
Seu estilo de governar manipulando opostos e firmando alianças tóxicas financiadas à base de mensalões e petrolões se revelaria uma rendição à oligarquia empresarial. A pseudo-esperteza de vender uma incapaz como supergerente produziu um conto do vigário no qual a maioria do eleitorado caiu.
Restou a imagem de um Lula que —convertido em réu por um juiz da primeira instância de Brasília e em indiciado pela Polícia Federal em Curitiba— vai às galerias do Senado na condição de detrito. Destituído de seus superpodres, apenas observa o derretimento de sua criatura, na luxuosa companhia de Chico Buarque, autoconvertido em inocente inútil. O ex-mito virou um personagem hemorrágico.