Cantor compositor meteu seus óculos escuros
e foi dar pinta de celebridade engajada no Congresso
A figura mais patética desta segunda-feira não era Dilma. Apesar das barbaridades que disse; apesar de ter pronunciando, só no discurso, a palavra “golpe” nove vezes; apesar de todos os raciocínios tortos que fez, que desafiavam a lógica, a matemática e o bom senso, havia uma certa dignidade sofrida naquele espetáculo. Até porque, vamos convir, a mulher o sabia inútil. Se é possível fazer uma síntese do que ela disse, seria esta: “Se eu voltar, farei tudo de novo! Só me arrependo de ter tentado controlar as bobagens que fiz. Orgulho-me de cada tolice”. Não creio que isso possa virar algum voto.
Aliás, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), que os petistas consideravam “conversável” até outro dia, batizou adequadamente o projeto petista para o Brasil: transformá-lo numa “Grezuela”: uma mistura de Grécia com Venezuela. Parece-me um bom nome para definir o país imaginário que Dilma esboçou em sua ida ao Senado. Mas volto ao ponto.
Não era ela a figura mais patética. Também não era Lula. Este, afinal, cumpria ali um dever de solidariedade. E temos de nos lembrar que ele sempre conta com seus dons encantatórios para convencer as pessoas. Não consta que esteja sendo bem-sucedido.
O tolo do dia foi mesmo Chico Buarque, que estava lá na condição, vamos ser claros, de “famoso” — não tendo o bom senso nem mesmo de tirar os óculos escuros, como se isso, de algum modo, servisse para minimizar o, digamos, “efeito-celebridade”. Ora, convenham: mais ainda se destacava tal aspecto.
Chico é um cidadão brasileiro. Pode ter a opinião que quiser. Para, no entanto, sustentar com tanta convicção a tese do golpe, então é preciso que a gente teste o que ele sabe da Lei de Responsabilidade Fiscal, da Constituição e da Lei 1.079. “Ah, Reinaldo, então só pessoas informadas podem fazer política?” Claro que não!
Se, no entanto, um sujeito que se destacou num domínio que o fez muito popular; que levou muita gente a se interessar por aquilo que ele pensa e diz, e se essa pessoa resolve usar a sua própria escolha política como algo a servir de exemplo, é justo, sim, que seja questionado.
E é evidente que o ótimo compositor e romancista medíocre é um desastre quando decide se meter com política — ainda que de óculos escuros. Não me espanta. Não faz muito tempo, ele gravou um vídeo com João Pedro Stedile, que denuncia a privatização do pré-sal. Ou ele tem consciência de que está contando uma mentira ou é mais burro do que dá a entender — e não pensem que a burrice política não pode conviver com o talento musical. Pode, sim! Não existe proposta nenhuma de privatizar o pré-sal. Dilma também insistiu na mentira.
Eis aí: há nesse comparecimento o ranço autoritário dos fidalgos. Quando os “famosos” resolvem dizer boçalidades políticas na certeza de que transferem para essa área o prestígio acumulado em outra, estão é tentando desqualificar os que, não tendo a sua mesma projeção pública, fariam, então, escolhas menos inteligentes e menos sensatas.
Chico deveria estudar mais a obra do seu próprio pai, Sérgio Buarque de Holanda. Aquele famoso de óculos escuros, certo de que sua escolha pessoal corresponde a um bem para todos os homens, é um dos escarros do velho patronato brasileiro, que relega a população à condição de uma massa ignorante, que precisa ser conduzida.
A gente se lembra de Marilena Chaui a gritar, na presença de Lula: “Eu odeio a classe média!”
A frase também tem a seguinte sonoridade: “Eu odeio o povo”.