Apesar de inequívocas qualidades, o código vigente ressente-se da falta de objetividade
“Os deveres do advogado compreendem, além da defesa dos direitos e interesses que lhe são confiados, o zelo do
prestígio da sua classe, da dignidade da magistratura, do aperfeiçoamento das Instituições de Direito e, em geral, do
que interesse à ordem jurídica.”
Código de Ética de 1934
Ao longo de séculos o exercício da advocacia tem sido alvo de implacáveis críticas, muitas vezes injustas. É do padre Bernardes a frase peçonhenta: “Porcos, entrai na pocilga, como os advogados entram no inferno”.
Piero Calamandrei, no conhecido livro Eles, os Juízes, Vistos por Nós, os Advogados, observa, com certo inconformismo, que “os lugares-comuns habituais sobre os defeitos dos advogados, que no decorrer dos séculos têm fornecido abundante matéria aos inocentes compiladores de facécias, cederam lugar, nos últimos anos, e não apenas na Itália, a uma deliberada hostilidade contra a gente do foro”.
Nas últimas décadas a profissão de advogado sofreu profundas alterações. O liberal deu lugar ao empregado e o escritório particular, às grandes sociedades de advogados, sendo ambas as figuras contempladas no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8.906, de 4/7/1994, artigos 15/21).
Segundo o artigo 18 do estatuto, “a relação de emprego, na qualidade de advogado, não retira a isenção técnica, nem reduz a independência profissional inerente à advocacia”. O parágrafo único complementa: “O advogado empregado não está obrigado à prestação de serviços profissionais de interesse pessoal dos empregadores, fora da relação de emprego”. A vida real, todavia, nem sempre se harmoniza com o idealismo da lei. Dependendo de salário para subsistência própria e da família, o advogado frequentemente se sente forçado a abdicar da independência profissional para não perder o emprego.
O Estatuto da Ordem trata também, nos artigos 15/17, da sociedade de advogados. Nessa esfera se exige o máximo cuidado. São conhecidos casos em que a sociedade é interpretada como disfarce para relação de emprego. Considera-se empregado, na definição do artigo 3.º da CLT, “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste mediante salário”. Participação minoritária em grande escritório, com subordinação à normas de comportamento, poderá, segundo julgados da Justiça do Trabalho, ocultar vinculo empregatício.
Faculdades de Direito criadas sem critério, divulgadas mediante fortes campanhas publicitárias, com improvisado quadro de professores, mandam à rua, ano após ano, milhares de bacharéis despreparados ávidos por dinheiro. Gigantescos escritórios praticam advocacia de massa, sobretudo na esfera do Direito do Trabalho, sem preocupação com a qualidade. Além de numeroso quadro de associados, admitem recém-formados, confinados em cubículos conhecidos como baias, munidos de microcomputador para redação de defesas, recursos, petições, como operários em linha de montagem. Quando o excessivo número de clientes torna insuficiente o quadro permanente, improvisam “audiencistas”, mediante módica remuneração por audiência.
Comenta-se, entre as paredes dos Fóruns, a existência de escritórios dedicados à aquisição de créditos, cujos titulares não dispõem de tempo e meios para aguardar o desfecho da demanda. Murmura-se, também, sobre advogados inescrupulosos que se apropriam do dinheiro de clientes. A cada cinco processos nas comissões de ética, pelo menos um resultaria de acusação dessa natureza.
Regras imperativas sobre ética revelam que a advocacia não foi reservada a anjos e beatos. O Código de Ética vigente, apesar de inequívocas qualidades, ressente-se da falta de objetividade. Não determina, por exemplo, que o advogado deve comportar-se com lealdade e boa-fé, e preserva, sob sigilo, as raras punições aplicadas. No capítulo que trata do processo disciplinar, o Estatuto da Ordem prescreve que “o Conselho Seccional pode adotar as medidas administrativas e judiciais pertinentes, objetivando a que o profissional suspenso ou excluído devolva os documentos de identidade”. Pode ou deve? Não seria mais eficiente a publicação do nome do apenado, como fazem os conselhos regionais de medicina em relação a médicos?
Não me recordo de haver tomado ciência, pelos jornais, de punição aplicada a infrator. As reservas mantidas no interior da Ordem devem ceder lugar à publicidade, como instrumento de dissuasão de todos os que se sintam atraídos para a quebra da disciplina e violação dos princípios éticos ante clientes, parte contrária e colegas.
Advocacia é função essencial à justiça. Quem a exerce é “inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Trata-se de atividade de interesse social, equiparável ao serviço público, aplicando-se-lhe os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade (Constituição, artigo 37). Publicidade no sentido de que tudo quanto é de interesse da advocacia e da justiça não pode ficar sob sigilo, exceção feita “aos fatos de que tome conhecimento no exercício da profissão”.
Registro, para encerrar, repetitórias notícias de advogados submetidos a constrangimentos causados por juízes, membros do Ministério Público do Trabalho, agentes da polícia. No legítimo exercício das atividades não conseguem ser ouvidos em audiência. Na melhor das hipóteses são recebidos por assessor ou chefe de gabinete. Há casos, também, de impedimento, expresso em sentença, de utilização de recurso previsto em lei, como sucede com embargos de declaração recebidos como ofensa pessoal ao prolator da decisão.
O resgate das prerrogativas e o zelo na defesa da disciplina e da ética devem ocupar posição proeminente entre as ocupações da Ordem dos Advogados do Brasil e seções estaduais, em benefício da maioria honrada dos advogados.