Dyelle Menezes - Contas Abertas
Avança no Congresso Nacional projeto de lei para recuperar e dar segurança às agências reguladoras – essenciais para a atração de investimentos. Levantamento do Contas Abertas mostra que dos R$ 57 bilhões planejados para as agências de 2010 a 2015, apenas R$ 19,3 bilhões foram efetivamente gastos. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) por exemplo, tinha orçamento de R$ 5,6 bilhões no ano passado, mas só R$ 446 milhões foram utilizados.
A autonomia orçamentária das agências prevista no projeto de lei é uma providência essencial para evitar relações promíscuas entre diretores e políticos. A proposta do senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) faz parte da Agenda Brasil – pauta apresentada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, com o objetivo de incentivar a retomada do crescimento econômico do país.
Reportagem do jornalista Luciano Padua, da revista Exame, mostrou a necessidade da lei, tendo em vista o jogo político que acontece nas agências. É íntima a relação entre agências reguladoras, governo, políticos e empresas. Quase 20 anos após surgirem, as agências têm dificuldades em exercer o papel: regular o mercado.
Para ex-diretores e especialistas, as agências evoluíram, mas foram capturadas ora pelo governo, ora por indicações partidárias, desvirtuando as funções. Um levantamento da consultoria Macropolítica aponta que sete das 44 diretorias de agências federais estão vagas. Até o final de 2018 o mandato de 28 diretores vencerá. Em outras palavras, 80% dos cargos podem ser renovados. É uma oportunidade para oxigenar órgãos vitais para a economia.
O governo Temer aposta no projeto que cria uma lei geral para as agências. Desde que assumiu a Casa Civil, o ministro Eliseu Padilha pergunta diariamente à sua equipe como anda a proposta no Senado. “O governo quer sinalizar um ambiente mais favorável aos negócios. O projeto é prioridade”, diz Marcelo Guaranys, subchefe da Casa Civil. No dia 17 de agosto, uma comissão do Senado aprovou o parecer da senadora Simone Tebet (PMDB-MS).
A proposta irá para a Câmara. A expectativa é aprová-la ainda neste ano. Hoje, cada uma das dez agências federais tem lei própria. O projeto unifica as regras, prevê autonomia financeira e torna mais transparente o processo de escolha dos diretores. Também cobra análises de impacto regulatório, planos de gestão e metas. “A proposta é o primeiro passo de um grande projeto para a sociedade”, diz a senadora Simone.
Em seu governo, Lula deu sinais controversos: definiu as agências como uma “terceirização do Brasil”, mas aprovou um plano de carreira para os funcionários. Como tempo e a necessidade de alianças políticas, os órgãos foram loteados. A situação chegou a tal ponto que, em 2009, o senador Fernando Collor, então à frente da Comissão de Infraestrutura do Senado, determinou que os candidatos a diretor deveriam escrever uma carta afirmando que tinham experiência na área para evitar que mentissem sobre a capacidade técnica.
Um estudo recente da Fundação Getulio Vargas apurou que 90% dos diretores das agências vieram de órgãos públicos e apenas 6% da iniciativa privada. “Se as agências não operam de modo diferente do Executivo, somente adicionam burocracia, custo e risco”, diz Bruno Salama, coordenador da pesquisa. Além disso, há casos de conflito de interesses. A Aner estima que 200 funcionários de estatais estejam cedidos para agências que as regulam.
Quando chegou sua vez, Dilma Rousseff empurrou goela abaixo todo tipo de determinação às agências. Ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica, Edvaldo Santana considera “tempo perdido” os oito anos na agência após a medida provisória de 2012 que reduziu as tarifas de energia e quebrou o setor. Segundo ele, até 2011 a agência vinha progredindo com medidas técnicas e transparentes.
“Em 2012, a Aneel virou um departamento do Ministério de Minas e Energia”, diz Santana. Dilma diminuiu as nomeações estapafúrdias, mas o papel das agências foi engolido pelo governo. E o caso do decreto que deu aos ministérios poder de aprovar todos os gastos dos órgãos. “As agências não fizeram parte da pauta do governo Dilma”, diz Jadyr Proença, coordenador do programa das agências na Casa Civil de 2004 a 2016.
A corrupção assombra as agências também. Em 2012, a operação Porto Seguro, da Polícia Federal, desbaratou uma rede de venda de pareceres, supostamente liderada por Rosemary Noronha, ex-chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo. Diversos servidores de agências foram exonerados, inclusive diretores. O caso se arrasta até hoje na Justiça, mas não freou o apetite de criminosos.
Um executivo de uma multinacional alemã disse à EXAME que, em 2015, foi abordado por um “emissário” que sabia em detalhes de um empecilho que a empresa enfrentava numa agência. Em um encontro em Brasília, veio a proposta: se ele se tomasse cliente de uma consultoria indicada, o processo seria acelerado. O pagamento não foi feito.
Autor do projeto de lei das agências reguladoras, o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) foi criticado ao pressionar para que seu genro, Ricardo Fenelon, um advogado de 27 anos sem experiência na área, fosse admitido como diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Em agosto de 2015, Fenelon tomou-se o diretor mais jovem da história da Anac. Com mestrado em regulação aérea pela Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos, ele alega que trabalha para conquistar respeito no setor. “Estudo o assunto desde os 15 anos e sou apaixonado por aviação. Não sou apenas genro de Eunício” diz.
O Banco Mundial elabora há 20 anos indicadores de qualidade da regulação em 215 países. Numa escala de zero a 100 pontos, o Brasil estreou com índice 65 em 1996, nível compatível com o de outros latino-americanos, como México, Argentina e Peru. Mas o dado mais recente, de 2014, mostrou que caímos para 50 pontos, ante a média de 87 dos países ricos e de 92 do Chile. O fortalecimento das agências pode mudar essa trajetória e estimular os tão necessários investimentos produtivos no país.